Opinião
“Porreiro, pá. Porreiro.”
A história do megaprocesso da Operação Marquês começou em dois mil e catorze e, quase sete anos depois, foi revelada a decisão ao público. A nove de abril de dois mil e vinte e um, o juiz Ivo Rosa deliberou os crimes pelos quais o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi julgado e o veredito é, na minha mais sincera opinião, tão previsível quanto insultuoso.
Há muito para dizer sobre esta decisão, mas vamos começar por analisar o veredito do juiz. De todos os crimes que José Sócrates foi acusado, as penas atribuídas a um indivíduo culpado – daqueles que Ivo Rosa determinou dignos de irem a julgamento – são significativamente mais leves do que aquelas dos crimes que escolheu ilibar. Como justificação do seu parecer, Ivo Rosa considerou ilícito o conteúdo que sustenta as acusações de fraude fiscal e considerou que as provas entregues para fundamentar o crime de corrupção passiva não eram 100% sólidas. A meu ver, estas justificações são um pouco dúbias. No que diz respeito ao crime de fraude fiscal, penso que as transações bancárias reunidas e apresentadas no processo são suficientes para argumentar a implicação do ex-primeiro ministro. Em relação ao crime de corrupção passiva, se por um lado reconheço a dificuldade em reunir evidências que demonstram o claro envolvimento de um sujeito nesse tipo de crime, Ivo Rosa escolheu desvalorizar provas e depoimentos que sustentam a acusação e aceitar testemunhos de outros ministros que garantiram a ausência de pressão imposta pelo ex-primeiro ministro.
Em seguida, penso ser necessário concentrar a nossa atenção na escolha do juiz. Pelo que eu entendi, Ivo Rosa não foi resultado de um sorteio que determina o juiz encarregue de cada caso, mas sim uma nomeação específica. Posto isto, podemos admitir uma violação do princípio do juiz natural, dado que a sua função é prevenir favorecimentos, interesses e motivos pessoais, que possam surgir do conhecimento do envolvimento de ambas as partes, de interferirem na decisão no caso. Não posso falar pelo resto dos portugueses, mas eu não consigo deixar de pensar se a situação seria diferente caso o juiz da instrução tivesse sido sorteado, tal como manda a lei.
O megaprocesso da Operação Marquês só serve para provar ineficácia no combate à corrupção, a incompetência do Ministério Público, bem como o quão débil e degradado está o sistema judicial do nosso país. Este é o tipo de justiça que permite um criminoso ser absolvido de crimes gravíssimos e, independentemente disso, sair com um sorriso no rosto e com a esperança de algum dia voltar a desempenhar algum cargo na política. Mais uma vez, testemunhamos a desigualdade na aplicação da justiça consoante o dinheiro, o poder e a influência social de cada indivíduo. As leis foram criadas com o propósito de oferecer os mesmos direitos e deveres aos cidadãos e de modo a garantir equidade na sua aplicação. Como é suposto continuar a acreditar num sistema justo ao testemunhar casos como este?
Em conclusão, devo admitir que a decisão de Ivo Rosa provocou-me uma sensação agridoce – muito mais acre do que doce, para ser sincera. Por um lado, senti que estava a ver justiça em ação, mas por outro parece que o trabalho ficou a meio, porque esta decidiu que, por agora, está feito. Esta é apenas mais uma nódoa no nome de Portugal e desenganem-se ao pensar que esta ideia de impunidade tão familiar não vai ter consequências nefastas para a democracia.