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Artigo de Opinião

Dra. Literacia recandidata-se às Autárquicas. Haja coragem!

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Portugal é um país estranho quando o assunto resvala para a política. Inescrutável, quando chegam as eleições.

Instalou-se há uns anos a ideia penosa de que tudo o que envolve política é tendencialmente negativo. Não será preciso promover nenhum estudo de opinião para chegar à conclusão de que, em cada uma das nossas comunidades, está generalizada a ideia de uma classe política manipuladora, incompetente e oportunista. Temos uma habilidade inédita para catalogar, por influência de alguns casos mais mediáticos, todos os políticos como ‘mentirosos’; não-raras vezes ‘criminosos’; tão desligados do mundo real que deviam ‘receber o salário mínimo’; e tão oportunistas que deviam ser ‘todos presos’.

Não que eu não concorde ou ache que a nossa classe política é do mais puritano que o mundo alguma vez conheceu. Longe disso. Mas, enquanto tivermos a responsabilidade e o direito de os escolher e não esgotarmos todas as opções, a responsabilidade é, em larga medida, nossa.

Depois, chegam as eleições. E estamos a chegar às eleições autárquicas.

Vou arriscar uma categorização da sociedade eleitoral portuguesa em 4 grupos de cidadãos: os abstencionistas – o maior; os adeptos partidários – o que ganha porque vai a jogo sozinho; os oportunistas – que prescinde comentários; e os cidadãos informados – a lamentável minoria.

Lamento, desde já, se intriguei alguns leitores. Não foi meu propósito, com esta reflexão que partilho, desiludir alguém, mas sim provocar reflexões independentes em cada um e, quiçá, ações.

Sim. Também há oportunistas do lado dos eleitores. Essa característica não é exclusiva dos eleitos, muito menos a dos que dizem uma coisa e fazem outra. Também essa se encontra no lado dos eleitores, que apregoam a pureza da atividade política, mas não perdem uma oportunidade para tirar dividendos de uma relação oportunista com os eleitos ou, simplesmente, ratificar com o seu voto, práticas da atividade política completamente antagónicas ao que defendem.

Voltando aos grupos, temos nos abstencionistas três características marcantes que os norteiam: a não-participação por alegado desconhecimento dos conceitos políticos (a quem dou apenas meia razão, porque a sua rotina diária também compreende assuntos políticos e, pelo menos dessa têm conhecimento); a não-participação por revolta contra a classe política (esquecendo-se que não há duas pessoas iguais); a não-participação por acharem que não muda nada (ignorando que cada uma dessas ações individuais resultam numa percentagem que, muitas vezes, vale mais que os votos de quem venceu, candidato que repudiam).

Os que são adeptos de partidos, pouco ou nada se sensibilizarão com esta reflexão. Têm excelentes intenções e bom coração, mas foram formatados, não a serem cidadãos ativos, mas a serem fiéis seguidores do seu partido, ou seja, adeptos. Note-se que nada disto se deve confundir com a militância. Fui, durante 7 anos, militante de um partido. Nessa condição, em eleições, votei já em 5 partidos ou candidatos em detrimento do meu, por considerar que estavam mais bem preparados ou que o meu partido precisava de um susto. Isto também é militância.

Depois temos os oportunistas, a quem devemos ajudar a perceber que, se um dia as coisas mudam, vão ter de voltar a lutar pela vida por meios legítimos e que, infelizmente, correm o risco de ser vítimas da injustiça que infligiram antes às pessoas com o seu oportunismo, embora essa ‘mudança’ seja, na minha ótica, ainda mais abjeta que a perpetuação de um poder.

Finalmente, os cidadãos informados. Benditos sejam!

Em clara minoria, partidários ou não, preocupam-se muito mais com a sua comunidade ou o seu país do que com o seu partido ou amigo que lá está. Acompanham a atualidade política e, com maior ou menor conhecimento de causa fazem as devidas honras à maior dádiva que abril e novembro nos deram, assumindo a responsabilidade de estarem minimamente informados, exigindo o direito à participação cívica e política da comunidade que integram, e respirando o espírito democrático e livre das amarras dos interesses.

São esses que vão votando pacientemente na Dra. Literacia, que se candidata às eleições autárquicas desde 1975 e, ainda que exausta, lá se vai candidatar outra vez – creio que já terão percebido que a Dra. Literacia não é mesmo uma senhora que se candidata às eleições, mas um jogo metafórico que uso para o convite à reflexão neste assunto que se reveste de extrema importância. Por via das dúvidas: Literacia é, no sentido figurado, ter competência numa determinada área. Entenda-se, neste caso, a competência política, enquanto eleitor.

A Dra. Literacia tem muitas respostas para as maiores inquietações daqueles que se queixam do estado a que chegou a nossa arena política e os que se dispõem a tirar o maior proveito da democracia, mas é preciso que os cidadãos estejam dispostos a romper, se tiver de ser, mentalidades, hábitos e paixões.

Não faço ideia se a Dra. Literacia tem partido. Acho que não. Mas pelo que ela diz, acima de tudo (de tudo mesmo!) estão os princípios e a educação.

A candidata sabe que é muito mais fácil governar sem a intromissão dos cidadãos, mas isso seria considerá-los inúteis, e considerá-los inúteis é ser contrário à democracia. Por isso, a Dra. Literacia promete dar a oportunidade a todos os cidadãos de consultarem os documentos que registam as várias atividades da sua autarquia e, mais do que isso, a promover uma maior capacidade nos cidadãos para interpretar e perceber esses documentos, ou não se chamasse Literacia.

Se algum dia for condenada em Tribunal por algum delito cometido no âmbito das suas funções políticas, a Dra. Literacia promete renunciar ao seu mandato, e apela mesmo aos cidadãos que, se algum outro candidato não renunciar e voltar a candidatar-se, o penalizem eleitoralmente. A candidata considera que só assim fazem sentido as queixas dos cidadãos relativamente à ética dos políticos.

Ainda tive o gosto de ouvir a Dra. Literacia garantir que vai distribuir as suas iniciativas e as obras públicas durante os 4 anos do mandato e não as concentrará no ano de eleições, porque considera que isso é passar um ‘atestado de curta memória’ aos cidadãos.

A Dra. Literacia terminou a dizer que está disponível para se coligar a qualquer partido, mas com uma condição: não abdica de uma única medida que já anunciou. Alega que são medidas de princípios e que não os vende por nada.

Certo é que a Dra. Literacia ainda não falou de obra nenhuma para a comunidade onde resido, mas já me convenceu a entregar-lhe o voto. São princípios demasiado valiosos para abdicarmos deles, e se abdicarmos corremos o risco de esvaziar o sentido de tudo o que dizemos da classe política e ter que arcar com a responsabilidade das nossas opções. Dra. Literacia, tem o meu voto! Desejo que tenham a mesma sorte na vossa comunidade.

Nota: enquanto concluía este artigo, as palavras “política” e “jornalistas” chamaram os meus ouvidos à atenção para uma conversa que ocorria na mesa ao lado, no café onde estava. Um cidadão estrangeiro (a falar um português ‘arranhado’) dizia que em Portugal o aborrecia que as pessoas não falassem de política e que no país dele muito mais pessoas se interessavam por esses assuntos. Disse ainda que, aos 15 anos, já estava num partido (certamente, uma juventude partidária). Parecia providência divina.

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