Devaneios
Barro moldado que partiu
Lembro-me de quando eras um rebento, esboçavas a medo um sorriso, aprendias a entortar as linhas da face e guardavas para ti, com sabedoria, o tesouro que é não saber que se existe ainda.
Lembro-me de quando eras um pequeno botão de algodão e os meus braços te circundavam numa auréola que te protegia e que iluminavas com a tua santidade plena.
Lembro-me ainda que o teu choro tinha sempre razão – som onde pairavam as verdades mais bonitas – e era a biologia a fazer-te cócegas ou o mistério do corpo a ser revelado enquanto a alma descansava em paz.
Olha, eu nunca te embalava. Fiz-te navegador antes de seres pessoa, pescador exímio das emoções mais profundas, sim, emoções outrora pedidas no vale do esquecimento. Resgataste-as, resgataste-me.
Com as tuas mãos pequeninas estendias-me um fragmento de céu. Eu olhava-o, tocava-o…Ah! E sentir de perto o calor que emanava daquele corpo estranho!
Quando o encostava ao ouvido, percebia o mar de longe! Era eu numa carícia eterna do teu sono.
Uma imagem celestial de dois corpos numa textura única.
Era tudo assim. Verdade clara, fundida na minha memória.
Vivíamos na cúpula do sonho, e se não fosses anjo não podias conter em ti a gargalhada de mistério nem Vénus nos teus olhos.
Ah! Como eram sábios os teus olhos! Só sabiam admirar. Nem sabiam existir como parte integrante de um corpo efémero.
Só olhavam. Às vezes, para mim.
Há muito tempo que não te vejo. Como te ensinei a navegar, rumaste para um horizonte onde não pertenço.
Lembro-me de quando eras um rebento. E o amor que te envolvia, desejo agora que se transforme num vento ameno, um vento bom que te empurre até um outro ninho.
Anda ver-me um dia. O mundo hoje é tão bonito… mas quando eras apenas verdade pura e essência num emaranhado de panos, fui eu que te vi. Tu escolheste-me.
Mas não te preocupes, é um segredo só nosso, guardado na mais íntima parte do meu ser.
Artigo da autoria de Márcia Branco