Opinião
Censos 2021: uma morte anunciada
Muito se tem falado, nos últimos dias, sobre a questão do despovoamento do interior do país. Os últimos Censos revelam que há menos 214 mil pessoas a viver em Portugal do que há dez anos atrás. Isto traduz-se numa redução populacional de 2%, facto que, à primeira vista, não aparenta ser muito grave. Todos sabemos que, ao longo da História, por motivos de variadíssima ordem, a demografia, enquanto ciência social que estuda as dinâmicas populacionais humanas, não tem sido estática; pelo contrário, é influenciada por vários fatores que condicionam a sua atividade.
O que se identifica neste estudo são as consequências óbvias das políticas que têm sido praticadas pelos governos centrais e regionais nos últimos anos: por um lado, temos menos pessoas a viver em Portugal e, por outro, os deslocamentos de população ocorreram do interior para o litoral do país. Como se costuma dizer, uma desgraça nunca vem só.
A verdade é que este problema é só mais um no meio de tantos outros que vêm à superfície do pensamento quando algum estudo é evidenciado nas redes socias, o principal meio de difusão de informação dos nossos dias. Acrescendo à popularidade que um assunto pode ter ou não tendo em consideração a sua “partilha virtual”, não nos esqueçamos que este ano o povo português vai às urnas, em jeito de manifestar a sua soberania que tantos anos demorou a ser conquistada. Não será este estudo um dado de extrema relevância para nos lembrarmos que, quem serviu o país nos últimos dez anos, pode ter cometido alguns erros, muitos deles já incorrigíveis?
Na origem deste cenário lamentável – mas facilmente previsível – encontramos como principal alavanca a gestão pública que tem sido empreendida não só pelos governos centrais, mas também pelo vasto grupo de autarcas que nada fazem para reverter o processo de desertificação dos respetivos concelhos. Neste estudo concreto, os concelhos que registam maior perda de população são Barrancos, Tabuaço, Torre de Moncorvo, Nisa e Mesão Frio. No lado oposto, Beja, Odemira, Mafra, Palmela, Alcochete e Vila do Bispo registam um aumento de habitantes.
A luz que normalmente nos impulsiona a caminhar até ao fundo do túnel está agora muito longe de ser avistada, sobretudo para a faixa etária mais jovem que, recorrentemente, se vê na obrigação de partir para os grandes centros urbanos à procura de emprego. Fica clara a prevalência de necessidades económicas como motivação para o êxodo da população, sobretudo de jovens recém-licenciados ou cuja área profissional apenas encontra expressão em áreas com mais dinâmica social e cultural.
Qual é o papel dos autarcas perante esta transformação que está a criar um fosso cada vez maior entre municípios do interior e do litoral? Em primeiro lugar, priorizar nas suas agendas uma estratégia para a fixação de jovens nos concelhos que são mais afetados por este flagelo. O percurso de vida normalizado passa pela conclusão do ensino secundário, a consequente partida para uma instituição de ensino superior, e, depois, o possível não retorno de quem parte para solidificar a sua educação. Não deve ser assim. Quem parte pode sempre regressar. Basta que se criem as condições indispensáveis para atrair população: a implementação de um plano de habitação digno e isento de especulação, a criação e manutenção de postos de trabalho valorizados que não sejam vinculados às próprias câmaras e o desenvolvimento de uma rede de transportes mais eficaz que facilite os acessos. Só assim se poderá inverter a tendência e já é muito tarde para começar a transformar a teoria em experientia.
Se a situação se agravou nos últimos dez anos, significa que a probabilidade de continuar a piorar é muito elevada, sendo que vivemos uma crise social e económica que dificilmente ficará resolvida com a chegada do Plano Marshall do século XXI que já conta com 147 páginas e se encontra disponível para consulta pública. É certo que a pandemia veio contribuir para o aumento das assimetrias que já existiam, por isso se torna imperativo rever radicalmente e alterar as políticas públicas que têm conduzido ao afastamento progressivo das pessoas e introduzir no debate público a necessidade de transformar os modelos de gestão vigentes. Queremos ação, não chegam as promessas que não desaguam em mar algum.
Artigo da autoria de Patrícia Freitas