Artigo de Opinião
Reforma do sistema eleitoral português
A possível reforma do sistema eleitoral português tem sido alvo de atenção nos últimos anos. Acredito que este tema seja discutido com a melhor das intenções, mas é preciso analisar a questão de forma a não nos deixarmos levar por uma onda de insatisfação generalizada que pode, eventualmente, culminar num cenário imprevisível.
Atentemos ao caso do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro tem atacado ferozmente as “fragilidades” do sistema eleitoral brasileiro. Para percebermos melhor o motivo desta repentina preocupação, vejamos a situação real em que se encontra o país actualmente: um atraso irrecuperável na compra de vacinas contra a Covid-19 (facto que não poupou a morte de milhares de pessoas), taxa de desemprego assustadoramente alta e níveis de fome que colocam o Brasil numa situação de alarme, diria, a nível internacional. A estratégia de focar o debate no sistema eleitoral decorre no sentido de abalar a confiança da população no momento da votação – que ocorrerá em 2022, já com a confirmação da candidatura do ex-presidente Lula da Silva (PT) – e, assim, desestabilizar o cenário político.
A partir deste caso específico, podemos concluir que o grande projeto de Bolsonaro é sufocar a democracia do país que governa, ao querer ocultar as dificuldades extremas que o povo está a enfrentar. Assim, como devemos encarar a possibilidade de uma reforma do sistema eleitoral em Portugal?
Devemos atender, em primeiro lugar, às finalidades do sistema eleitoral: deve garantir, por um lado, o princípio da proporcionalidade e, por outro, o da estabilidade governativa. A proporcionalidade assegura que os partidos mais pequenos e as minorias sejam representados na Assembleia da República. Quanto à estabilidade governativa, não há registo de nenhuma situação em Portugal em que esta não se verificasse, desde a solidificação da democracia, após a primeira revisão constitucional em 1982.
Em segundo lugar, atendendo às discrepâncias que existem entre os círculos eleitorais, não me parece que fosse benéfica a supressão de lugares no parlamento. A diminuição do número de deputados – atualmente são 230 – apenas se traduziria no desaparecimento dos partidos com menos representatividade. Esta é uma das razões pelas quais é imperativo questionar a proposta do PSD cujo objetivo seria a “redução do número de deputados, sem, contudo, colocar em causa a proporcionalidade do sistema constitucionalmente imposta”.
O funcionamento correto das instituições democráticas pressupõe que os agentes políticos sejam dotados de ética quando exercem as suas funções – num mundo ideal, seria assim – mas nem sempre é isso que se verifica. Interesses em nome do partido podem ser a origem de propostas de revisão e alteração de leis, pelo que devemos estar atentos. Sob um sistema multipartidário, como é o caso de Portugal, seria contraproducente esta reforma, onde as maiorias não refletiriam a vontade real dos eleitores.
Mas nem todas as propostas são nocivas à saúde democrática. Uma boa medida, e que certamente agrada a muitos eleitores, seria a alteração da estrutura de voto, com a introdução do voto preferencial. Estamos perante uma situação em que os candidatos não assumem responsabilidade apenas perante o partido, mas também perante os eleitores, criando assim uma relação de maior proximidade entre eles. Em última análise, os partidos seriam os responsáveis pela elaboração das listas, mas os eleitores teriam a palavra final sobre a sua ordenação. Além da consequente disputa intra-partidária, os candidatos à Assembleia da República seriam obrigados a trabalhar mais aprofundadamente as propostas eleitorais e a conhecer detalhadamente os problemas da população do respetivo círculo eleitoral.
Estas considerações não excluem a motivação de outros agentes políticos que desejam empreender reformas ao sistema eleitoral em vigor, mas, tal como a revisão constitucional, esta é uma mudança que afeta toda a sociedade portuguesa e a sua soberania. É preciso conhecer a vontade popular.
Artigo da autoria de Patrícia Freitas