Crónica
A velhice é uma conquista
Sempre achei que as palavras “Avô” ou “Avó” deviam começar obrigatoriamente por letra maiúscula. Se o mesmo deve acontecer com outros níveis de parentesco, não sei. Talvez “Mãe” e “Pai” também, mas “Avô” e “Avó” escritos “avô” e “avó”, nunca. Até custa deixá-los assim, porque a importância dos Avós é maior do que a de mais alguém.
Chamamos aos mais pequenos “crianças” e não “infantis”. Há nesse trato amabilidade e o reconhecimento da inocência e da pureza, que superam a pouca desenvoltura ou a imaturidade. É por isso que não gosto da palavra “idoso”. Ainda menos da palavra “sénior”. Há no “velho” um realismo amável e homenageante. Entre excessos, doenças ou meros infortúnios, tudo nos pode acontecer. A idade é uma conquista, chegar a velho é sinal de resistir.
Quem chegou agora a velho, no meio de uma pandemia, está a desfrutar dessa conquista fechado entre quatro paredes, impedido de estar com os netos. A boca, tão usada para os beijos infinitos aos pequenos e para as conversas intermináveis com as vizinhas, está tapada por uma máscara. Apesar do coração fraco, dos diabetes ou de problemas oncológicos, há quem morra de solidão. Quem envelhece não merece a falta de companhia, não merece as rugas, não merece as doenças. Não merece os ossos fracos e as costas curvadas e o cansaço imediato. Essas infelicidades deviam ser o castigo de quem comete crimes, quem insulta, quem não ajuda, esses sim deviam envelhecer, independentemente da idade, alguém dizer
– Alto!
e envelheciam em flagrante delito. Enrugavam, adoeciam, contorciam-se de dor até que o arrependimento os fizesse mudar.
Eu, que tenho vinte anos, sinto-me eterno e insuperável. Alguém nos devia avisar, mal nascemos, que os anos passam sem nós darmos por eles. É nesta idade, quando se é miúdo ainda
(com vinte anos ainda somos tão miúdos)
que se têm as paixões mais fortes, com o desconhecimento total de que a maior paixão é a dos Avós. Só eles concentram totalmente o amor incondicional.
Os netos são quem menos anos passam com os Avós e nem todos têm a sorte de os conhecer. Conhecem os irmãos como ninguém, estão condenados a aturar os tios chatos durante sabe-se lá quantos anos, mas com quem menos tempo passam é com os Avós, que são quem mais tem para dar e contar.
Olhamos para o humano como uma máquina: a fonte de constante produtividade que em caso de falha ou pausa se torna obsoleta. O que mais acompanha o nome de uma pessoa é a sua profissão, não quem ela verdadeiramente é, porque as profissões mudam como a orientação do vento. É por isso que o respeito pelos mais velhos é cada vez menor. Não reconhecemos neles utilidade produtiva. São obsoletos. Mas não há maior utilidade do que ainda saber ser feliz.
Artigo da autoria de João Paulo Amorim