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Devaneios

A Sombra do Vento – Carlos Ruiz Zafón

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  1. “Só me lembro que choveu todo o dia e toda a noite e que quando perguntei ao meu pai se o céu chorava lhe falhou a voz para me responder”. Nós não somos livres. Tudo já foi determinado pelo contacto com amigos, pela educação dos pais, pela opinião da namorada, pela pessoa sentada ao nosso lado no autocarro, pelo cartaz de publicidade. Livre é a chuva, que cai onde quer.
  2. “a ausência da minha mãe era para mim ainda uma miragem, um silêncio de gritos que ainda não aprendera a silenciar com palavras”. Dizia Carlos do Carmo, no último concerto da sua carreira, que há vários silêncios. Ser verdadeiramente íntimo de alguém é conseguir aproveitar os momentos passados em silêncio.
  3. “eu, com a fé dos que ainda contam os anos pelos dedos das mãos”. A pureza e a inocência de uma criança, ainda intocável para as rugas do tempo.
  4. “Na loja vendemo-los e compramo-los, mas na verdade os livros não têm dono”. Alguém dizia que os escritores não morrem, vivem para sempre na capa dos seus livros.
  5. “Era ali que os meus pais se haviam conhecido no ano de 32, e eu atribuía em parte o meu bilhete para a vida ao encanto daquele velho café”. Os genes herdam-se. Nós somos também todas as circunstâncias da vida dos nossos pais. Quem seríamos se os seus caminhos não se tivessem cruzado, ou se se tivessem cruzado com os caminhos de outras pessoas?
  6. “onde invenções como o telefone, a pressa ou o relógio de pulso eram anacronismos futuristas”. Lembro-me de um fado, interpretado por Camané, letra de Manuela de Freitas, intitulado “A Correr”.
  7. “Nunca até então tivera a oportunidade de examinar uma mulher tão de perto e com tamanha precisão sem recear encontra-me com o seu olhar”. Os olhos são capazes de falar mais do que a boca. Devíamos passar meia hora do nosso dia de olhos fechados, por empatia àqueles que perderam esta virtude.
  8. “Até agora para mim as leituras eram uma obrigação, uma espécie de multa a pagar a professores e tutores sem saber muito bem para quê”. Sinto o mesmo em relação a alguns livros. A escola, com os seus complementos e orações, mata a curiosidade.
  9. “Paris é a única cidade do mundo onde morrer de fome ainda é considerado uma arte”. Num mundo globalizado, onde a informação de hoje já é coisa do passado, quantos escritores desconhecidos haverá, que saírão da penumbra apenas postumamente?
  10. “Na vida privada da Nuria nunca me meti, porque a minha também não é para emoldurar”. Acabem com as revistas cor-de-rosa e o mundo acordará com outro sorriso.
  11. “Os presentes dão-se por prazer de quem oferece, não por mérito de quem recebe”. Não é esta a história que o Pai Natal conta às crianças.

Artigo da autoria de João Paulo Amorim

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