Artigo de Opinião
Liberdades comprometidas: Polexit à vista?
Escreveu Albert Camus que “a democracia não é a lei da maioria, mas a proteção da minoria”. Se optarmos por dissecar a palavra “democracia” com base na sua etimologia, surge a expressão demos kratos, origem grega do termo que se configura sob a forma de “poder do povo”. Ainda que de forma disfarçada, o conceito de Camus está implícito nesta origem. A verdade é que, apesar do sentido literal e de qualquer conjunto embelezado de palavras que a tentem definir, esta idealização não se verifica em muitos Estados que se autodenominam como “democráticos”. Em muitos sítios do mundo, a democracia tem sido exercitada sob a forma de um “governo para o povo”, e não “do povo”, colocando a vigência do Estado de Direito numa posição muito frágil.
É tendencioso colocar cada Estado num dos dois lados opostos do espetro, mas existem Estados que apresentam traços caraterísticos de ambos os regimes ditatorial e democrático. Estes Estados estabelecem-se num quadro específico que engloba contextos históricos e culturais muito particulares, o que faz com que não reúnam todas as características de uma democracia liberal e constitucional, mas não chegando ao ponto de poderem ser classificados como autoritários. São as conhecidas “democracias com falhas”. Enquanto as eleições são livres e justas, existindo direitos civis básicos, há falhas noutros aspetos, como na baixa participação da população na vida política ou no subdesenvolvimento da cultura política.
A Polónia é um destes casos. Iniciou o seu processo democrático em 1989, depois da queda do regime comunista, o que lhe permitiu a entrada na NATO em 1991 e na União Europeia em 2004. No entanto, o país tem presenciado uma série de movimentos iliberais que ameaçam os pilares do Estado de Direito e comprometem o seu futuro na União Europeia.
Nos últimos seis anos, o Presidente da Polónia, Andrzej Duda, apoiou muitas reformas controversas, como o controlo político do sistema judicial e restrições à liberdade de imprensa. A importância dada a estas reformas, apoiadas pelo partido ultraconservador “Lei e Justiça” (PiS), mostrou que o Governo não hesita em sacrificar os direitos humanos, a justiça e a democracia, em prol da sua fusão total com o Estado. O Presidente polaco tem vindo a defender ideias que vão contra o que está estabelecido pela União Europeia para os Estados de Direito, como a proibição do casamento homossexual, a adoção de crianças por homossexuais e a nova lei referente ao aborto que entrou em vigor no início do ano e que torna o seu acesso cada vez mais difícil.
O Tribunal Constitucional da Polónia determinou que “partes” do Tratado de Adesão do país à União Europeia são incompatíveis com a Constituição polaca. Ainda assim, o Governo polaco nega uma saída da União Europeia, mas a relação com as leis comunitárias revela-se cada vez mais coagida. Até quando se manterá este jogo de incompatibilidades? O país está nas mãos da extrema-direita há muitos anos, que conseguiu reformular o regime político através do poder. O partido em maioria tanto representa a opinião pública, como a controla.
É difícil perscrutar casos destes, pois nunca existirá objetividade no estudo da realidade social. O que fazemos para tentar compreender sistemas sociais é usar modelos – substituímos o que não conseguimos entender por modelos. A questão torna-se ambígua quando há situações específicas que não se enquadram em nenhum desses modelos, levando a um estudo exaustivo de contextos históricos, políticos e culturais que, muitas vezes, não conseguem constituir uma explicação por si só. Porque a democracia, mais do que uma luta passada que leva a uma mudança de regimes, tem de ser uma prática diária. Não é algo que se impõe, mas que se ensina.
Artigo da autoria de Inês Lopes