Artigo de Opinião
Nicarágua e a morte da revolução
A Nicarágua enfrenta, há largas décadas, uma situação política bastante adversa. Para nós, europeus cuja atenção é monopolizada pelas alterações climáticas e pelas políticas de transição energética, o panorama governamental deste pequeno país passa despercebido. Recuemos até 1978. Anastasio Somoza, que governava desde 1936, é deposto, num ato revolucionário, pela Frente Sandinista de Libertação Nacional. A partir daqui, o cenário previsível seria o da estabilização económica e social e um forte avanço na implementação de um regime político democrático. De facto, houve um conjunto de medidas que ampliaram os modos de subsistência da população e a consequente melhoria das condições de vida, nomeadamente em aspetos como o investimento na saúde e na educação, e a viabilização da reforma agrária, já que aproximadamente 65% das terras pertenciam a membros da família de Somoza. Tudo parecia estar no caminho certo, com Daniel Ortega a liderar o destino revolucionário do país, apesar de só ter sido eleito presidente em 1984. O conjunto de reformas políticas, económicas e sociais tinha como objetivo promover a justiça social, fator indispensável à sobrevivência de qualquer sociedade igualitária e democrática.
A intervenção dos EUA não tarda a chegar (apesar de já ter havido ocupação americana durante um bom período de tempo), condenando as “práticas socialistas” do novo governo. Não nos esqueçamos que é prática comum do ocidente capitalista limitar ao máximo as conquistas de potenciais ameaças, sendo que, neste caso, os EUA temiam a hegemonia económica da Nicarágua. Solução? Impor bloqueios económicos e financiar movimentos de guerrilheiros reacionários. Esta história certamente fará lembrar outros episódios que caracterizam a política externa e as relações às quais se entregam os países, numa tentativa de monopolizar o poder económico e controlar os Estados mais fracos.
Os anos de instabilidade parecem não ter fim à vista. Atualmente, o presidente Daniel Ortega e a vice-presidente, Rosa Murillo, sua esposa, tornam a Nicarágua numa encenação pura da democracia, estando cada vez mais distanciados das origens ideológicas da revolução sandinista. As próximas eleições estão marcadas para o dia 7 de novembro e o atual presidente afirma a sua recandidatura, após ter colocado na prisão vários membros da oposição que se iam candidatar. Estamos perante um caso típico que ilustra uma ditadura contemporânea, da era da tecnologia e da informação; uma ditadura que convoca eleições apenas para tapar o pó a um regime autocrático, perigoso e nocivo para os direitos humanos e para a liberdade de expressão. Daniel Ortega perde, progressivamente, a credibilidade. A liberdade de imprensa é, agora, uma miragem, porque o controlo dos meios de comunicação é uma das armas principais da repressão estatal. A utopia de uma sociedade livre e justa ficará inscrita no sangue derramado pelos opositores deste regime.
Qual é o papel da comunidade internacional perante esta situação de emergência política e social? Para além das sucessivas advertências e alertas? É assustadora a inércia dos países democráticos, mas seria de esperar. Já vimos a mesma complacência há dias atrás, no Afeganistão. Resta saber por quanto tempo irá a população deste país sofrer nas mãos de um presidente déspota, que lutou desde jovem contra uma ditadura familiar e que, após essa luta, transformou a Nicarágua num centro de opressão, recorrendo à violência física e às mais cruéis formas de silenciar os que, tal como ele, se rebelaram contra um sistema viciado e corrupto. A História encarrega-se de nos clarificar certos acontecimentos. Daniel Ortega representa a morte dos ideais e a permeabilidade do homem aos vícios mais mundanos aos quais temos acesso facilitado quando fazemos parte da elite: o poder e o dinheiro. E não há socialismo que nos salve destas duas bestas.
Artigo da autoria de Patrícia Freitas