Opinião
A “crise” política
Na passada quarta, 27 de outubro, como esperado e apesar de uma semana com comentadores e opinantes por todo o lado a dizer que seria apenas “bluff”, BE e PCP cumpriram com a sua palavra e votaram contra a proposta de Orçamento de Estado para 2022 (OE), permitindo o seu chumbo na Assembleia da República (AR). Antes (e durante dias a fio), o Presidente da República (PR) lançou um ultimato: ou há aprovação do OE ou avança para a dissolução da AR. Ora aqui estamos, com o Orçamento chumbado, à espera de Marcelo pela prometida dissolução.
Antes da proposta do Governo estar sequer chumbada, embora já com morte anunciada – após Bloco, PCP e PEV indicarem o seu voto contra –, ainda as negociações corriam e já só se falava da “crise” política em curso. Claro que era previsível que algum dia este momento chegasse: apesar de tudo, o Governo de Costa (PS) é minoritário e o apoio parlamentar ano a ano nunca foi garantido à partida. Agora, não era previsível o momento mais “idílico” possível em que o chumbo e eventuais eleições acontecem e ainda a lamentável atuação do PR Marcelo neste processo.
A dissolução e a vergonha
Marcelo, além de ameaçar desnecessariamente com a “bomba atómica” os partidos na AR para a “necessidade” de aprovar o OE, colocando em xeque o processo legislativo democrático, imiscuindo-se no poder legislativo e indo além das suas funções constitucionais, e de o repetir todos os dias, a toda a hora, ainda e… enfim… decidiu aproveitar o momento, na “onda de mudança” – um “novo ciclo político, pois claro… – das Autárquicas de setembro, para tentar forçar o regresso do seu querido partido do coração ao poder.
No meio dessa ânsia irracional e para lá da lamentável ameaça à ordem constitucional da divisão de poderes, Marcelo cometeu um ato vergonhoso, intriguista e traiçoeiro: em plena discussão da proposta de OE no Parlamento, recebeu em Belém Paulo Rangel, candidato à liderança do PSD e opositor de Rui Rio, este líder do maior partido da oposição que, estando e bem a cumprir o seu papel na AR, foi confrontado e surpreendido pelos jornalistas com a “boa nova” presidencial. A reação de Rio não podia ter sido melhor: “Para tratar de?”. Verdade. Tratar de o quê? Que importa a opinião de um candidato à liderança de um partido (quem diria, o partido de Marcelo), em pleno debate orçamental e na iminência de eleições Legislativas, para o PR? Nada!
Sendo a primeira vez na História da nossa Democracia que um Orçamento de Estado é chumbado e havendo a possibilidade de o Governo (que não se demite, mantendo-se em plenas funções) continuar em duodécimos ou apresentar uma nova proposta, não se justifica de todo a dissolução da AR e as eleições antecipadas – a menos que os partidos na AR assim entendam. Mas assim seja, assim seja…
As eleições e uma “maioria reforçada”
Como disse antes, se vamos a eleições, o momento não podia ser mais “idílico” para tal. Chega e IL são os anunciados “vencedores” das eventuais eleições antecipadas. Vão, certamente, aumentar a sua representação parlamentar, formando grupos parlamentares. Apenas fica na dúvida os seus tamanhos. O PS tem tudo para ser o outro vencedor, tendo uma real hipótese de sair reforçado.
Primeiro, Costa tem a oportunidade de responsabilizar BE e PCP por irmos a eleições numa altura delicada: por um lado, ainda há uma pandemia e crise de saúde pública em curso; por outro lado, há uma crise sócio-económica da qual é preciso recuperar, sendo o momento de aplicar o PRR, a famosa “bazuca” que corre o risco de ficar adiada durante alguns meses essenciais para a recuperação económica; e ainda os poderá tentar culpar por algumas medidas importantes previstas na proposta de OE para 2022 que ficaram, para já, pelo caminho – algumas delas muito “apetitosas” em termos eleitorais. Para já, sabe-se que o Governo vai manter o aumento do salário mínimo, uma vez que não afeta a despesa pública. Costa ainda pode aproveitar o “pântano” da direita, agitando o fantasma da extrema-direita que pode ser fulcral (algo inevitável e com antecedente açoriano) para a formação de um futuro governo liderado pelo PSD, podendo o PS conseguir uma maioria em que dependa apenas do PAN.
Segundo, a direita. As eleições serão ou em janeiro ou em fevereiro. Com exceção dos já referidos Chega e IL, tanto PSD (diretas a 4 de dezembro e Congresso a meio de dezembro) e CDS-PP (Congresso no final de novembro) arriscam-se a ter de preparar a ida a eleições com disputa interna pela liderança em simultâneo. Isto nada abonará a favor de nenhum dos partidos, pois quem quer que sejam os líderes, terão pouca (ou nenhuma) margem de manobra, em especial na escolha das listas de candidatos e do programa eleitoral. Neste caso, Rangel, Melo e Marcelo já mexem o tabuleiro para tentar remediar o problema, com o PR a ter poder para marcar as eventuais eleições para o momento mais adequado ao interesse do seu PSD. Vai ser bonito, vai.
Terceiro, ainda a direita. Se Rio e Rodrigues dos Santos conseguirem conter a oposição interna e seguir à frente dos respetivos partidos – no caso do PSD, embora Paulo Rangel controle já as estruturas, o seu “lindo” encontro com Marcelo pode ter dado a Rui Rio o voto livre dos militantes e a continuidade; no caso do CDS-PP, tudo indica que “Chicão” continuará, mas corre o risco de uma saída em “debandada” de destacados militantes “portistas” do partido –, então poderemos assistir a uma coligação pré-eleitoral que pode conter o definhamento e até morte do partido democrata-cristão. À direita e centro-direita, pode ainda ocorrer um fenómeno interessante: o eleitorado vai estar mobilizado certamente e perante a hipótese de vingar 2015 e do PSD regressar ao poder, Chega e IL podem não crescer tanto quanto se espera pela ocorrência de voto útil no PSD para tentar assegurar o poder. Porém, este cenário pode levar a repetir o que aconteceu em 2015, pois é muito improvável que o PS e a esquerda percam a maioria que têm na AR.
Quarto, a esquerda. Maioria assegurada, mas mais pequena, com BE e CDU (PCP-PEV) muito penalizados, com algum do seu eleitorado a fugir para o PS e a fazer voto útil neste. Os partidos à esquerda do PS sabem que é melhor assim: antes agora, do que daqui a dois anos, quando as perdas seriam maiores, mantendo-se assim o mau momento circunscrito a um curto espaço temporal com as Autárquicas de setembro. Como já disse, há ainda a hipótese de o PS conseguir depender apenas do PAN após este próximo ato eleitoral. Note-se que no debate do OE, PS e PAN tiveram discursos já neste sentido, embora o PS mantenha aberta a porta aos parceiros da “Geringonça”.
Menos “idílico” é o facto de ser o terceiro ato eleitoral em cerca de um ano, marcado pela pandemia, terminando uma legislatura também marcada pela pandemia. Esperemos que o cansaço eleitoral e o momento invernal não reforcem a abstenção, essa maioria silenciosa.
Artigo da autoria de Pedro Pinheiro