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Opinião

A hora do “Semáforo” de Scholz

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Dois meses após as eleições, está oficializada a coligação “Semáforo” que governará a Alemanha durante os próximos quatro anos sob o mote “Ouse fazer mais progressos – Aliança para a Liberdade, a Justiça e a Sustentabilidade” (tradução livre). Assim, em dezembro, Olaf Scholz, 63 anos, sucede a Angela Merkel como Chanceler (chefe do Governo) da principal economia da União Europeia (UE).

A coligação é composta pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial por três partidos: o SPD (social-democracia, centro-esquerda), o Grüne (verdes) e o FDP (liberalismo, centro/centro-direita). Foram precisos dois meses – em comparação, há quatro anos, foi preciso o dobro do tempo para acertar a “Grande Coligação” – para os três partidos acordarem os termos de governação para o período 2021-2025, um programa ambicioso e progressista, com grande foco na crise climática e na justiça social. A Alemanha vira assim à esquerda, apesar da presença do neoliberal Christian Lindner (líder do FDP) na pasta das Finanças; no entanto, é preciso ter em atenção que foi o próprio Olaf Scholz, enquanto ministro das Finanças do último governo Merkel, que obrou o gigantesco programa de fundos NextGenerationEU (a famosa “bazuca” em terras lusitanas) baseado na mutualização de dívida pelos Estados-membros da UE e ainda apoiou a suspensão das regras orçamentais durante a crise económica provocada pela resposta à pandemia da COVID-19, apostando numa política de solidariedade – valor fundador da União -, ao invés da política de austeridade e empobrecimento neoliberal, forjada pela própria Alemanha de Merkel, adotada na crise anterior; é, portanto, um sinal de esperança na renovação do projeto europeu que, devido às políticas de austeridade neoliberais, tem visto a sua viabilidade e existência em xeque.

Annalena Baerbock, co-líder dos Verdes, será ministra dos Negócios Estrangeiros, pasta ocupada já no início do século por um líder dos Verdes, num governo de coligação SPD-Grüne. Espera-se da sua parte uma nova postura face à Rússia e à China – uma postura de “confronto” e, ainda relativamente à UE, uma sinalização de que a União deve ser acolhedora e integradora tal como a própria Alemanha será. Apesar desta presença, o SPD garantirá que o novo Governo mantenha os seus compromissos com os aliados na NATO e ainda a manutenção de armamento nuclear dos EUA em território alemão.

Os restantes ministérios estão distribuídos entre os três partidos, com destaque para a Defesa e Segurança e pastas sociais entregues ao SPD; as pastas da Economia (que se torna num super-Ministério climático) e as das questões ambientais ficam com o Grüne; a Educação e a Justiça, entre outras, ficam entregues ao FDP.

Uma nova era de progresso

Algumas das principais medidas constantes no programa de governo:

  • Antecipar o fim da produção de eletricidade a partir do carvão para 2030;
  • Aumentar em 25% o transporte ferroviário de mercadorias;
  • 15 milhões de carros elétricos nas estradas em 2030;
  • Pressionar por uma sobretaxa europeia para voos, semelhante à que já está em vigor na Alemanha;
  • Permitir que os imigrantes se candidatem à cidadania após cinco anos de residência na Alemanha e permitir a dupla nacionalidade;
  • Aumentar o salário mínimo para 12 euros por hora;
  • Legalizar a venda regulada de canábis;
  • Construir 400 mil novos apartamentos por ano para combater a crise da habitação;
  • Baixar a idade de voto para 16 anos;
  • Criar um sistema de imigração por pontos para atrair trabalhadores qualificados.

É evidente o foco na transição energética – embora a Alemanha vá continuar (erradamente) o seu programa de encerramento e desmantelamento de centrais nucleares, algo que implicou aumentar nos últimos anos a dependência energética do carvão e do gás natural russo (algo importante, em termos geopolíticos) –, antecipando em oito anos o fim das centrais a carvão e apostando em mobilidade mais verde. Nesse sentido, verifica-se a pretensão de ser “ousado” tanto no clima, como na indústria, dotando este setor na maior economia europeia da infraestrutura necessária e capacidade de inovar e prosperar de forma sustentável.

O outro foco está na dignificação do trabalho e na justiça social, com atenção especial à integração imigratória e à crise da habitação, comum em toda a Europa, onde a escalada dos preços das rendas e das casas, promovida pela especulação desregulada de fundos privados e abandono de políticas social-democratas de habitação social e estatal, se faz sentir. Nesse sentido, o “Semáforo” tem um ambicioso plano de construção de habitação.

Em geral, as medidas do novo Governo marcam-se pelo seu aspeto progressista, rompendo com as medidas conservadores da direita da CDU/CSU, agora arredadas do poder ao fim de dezasseis anos, e que marcaram a “era Merkel”. Destacam-se a intenção de legalizar a venda de canábis para usos recreativos, a descida da idade mínima de voto para dezasseis anos (um cenário ainda incomum na Europa, mas cada vez mais discutido, pelos efeitos que poderá ter no envolvimento dos jovens na política e participação cívica), e também a eliminação de um infame parágrafo da era Nazi que proíbe essencialmente publicidade e divulgação de informação sobre cuidados de saúde no âmbito do aborto.

Liderança da Europa e o legado de Merkel

Merkel foi, nos últimos anos, a líder de facto da União Europeia. No entanto, o novo Chanceler não tem garantido esse papel. Olaf Scholz defrontar-se-á com um novo eixo de poder em preparação, que ambiciona substituir o eixo franco-alemão: Macron (Presidente francês) e Draghi (chefe de Governo italiano) querem Paris e Roma a definir o futuro da União, a tempo da Presidência francesa do Conselho Europeu (começa em janeiro de 2022). Porém, este eixo enfrenta dois obstáculos maiores: Macron vai a votos no próximo ano e Draghi é visto como sucessor do Presidente da Itália, Sergio Mattarella, que já sinalizou que não pretende continuar no cargo. Certo é que há um acordo assinado entre França e Itália, mas o futuro ainda é incerto.

Angela Merkel deixa um legado extremamente negativo: na Alemanha e na Europa, a sua política neoliberal, em especial a austeridade radical durante a crise de 2008 (para os portugueses, refletida no governo PSD/CDS-PP de Pedro “ir além da Troika” Passos Coelho e Paulo Portas), abriu a porta ao Fascismo dos novos partidos da Extrema-Direita identitária e ultra-conservadora (mas também neoliberal) europeia; fraturou as sociedades europeias, colocando em perigo a continuidade da UE que viu o Reino Unido abandonar o projeto, e ainda deixa um lindo futuro para os mais novos: a minha geração será a primeira em décadas a viver pior do que os seus pais, como admitiu há alguns anos um antigo ministro das Finanças de Merkel. Espera-se agora que o novo Executivo alemão, virado à esquerda, tome posse nas próximas semanas de dezembro para poder colocar em marcha o seu ambicioso programa. É a hora do “Semáforo” de Scholz, mais verde, mais justo e mais solidário.

Artigo da autoria de Pedro Pinheiro

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