Artigo de Opinião

E a vida, quem nos ensina a viver?

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“Vou agora assistir a um webinar”. “Estou a fazer uma formação online sobre este ou aquele tópico que toda a gente diz que é o futuro”. “Ainda ontem li o novo livro sobre criptomoedas e como maximizar os meus investimentos”. É provável que o leitor se tenha cruzado com uma destas frases em conversas recentes no seu círculo próximo. Mas, e a vida, quem nos ensina a viver?

Tirei uma semana de férias para ir para a aldeia apanhar castanhas. De repente, as grades do tempo abriram-se e a brisa que me percorria era real e estava fria. Ainda mal o Sol se tinha posto a pé, já estávamos todos de joelhos a debulhar ouriços. O dia ia surgindo aos poucos, sem pressas nem promessas. A vida ia sendo vivida onde sempre foi feita para o ser: no presente e fora da cabeça. Mais um balde, mais um saco: tudo é simples, tudo é exato. As nuances da convivência e a simplicidade do ser e do sentir. Nem nos lembramos de pensar.

Era isto a realidade da maior parte da população, não há muito tempo atrás. Num ápice, o contacto com a natureza foi trocado pelo frio material dos teclados e das secretárias. Dizemo-nos mais evoluídos e mais realizados por alcançarmos voos altos em carreiras que fazem inveja no LinkedIn. Temos acesso aos telemóveis a preços exorbitantes, aos Teslas, aos concertos e aos sítios de brunch da moda. Dizemos que temos sempre a natureza ali a um passo para os hikings, os retiros espirituais e os baloiços infinitos. Mas é tudo temporário, tudo meticulosamente encaixado num calendário que gere a rotina ao mais ínfimo detalhe. Já não sabemos ouvir os outros, tão-pouco a nós mesmos. As verdadeiras conversas acontecem, porém nunca se ouvem. O hoje, daqui a um mês, parece que foi ontem. E, assim, a vida vai passando.

Quem nos ensina a viver? Tentamos ter tanto controlo sobre tudo no nosso dia-a-dia que acabamos por nos olvidar do essencial. A vida é o que vai acontecendo momento após momento. Não podemos controlar tudo. Não podemos ser bons em tudo. Não podemos garantir nada.

Quando se está a apanhar castanhas, há conhecimento empírico sobre como maximizar a eficiência da recolha, como evitar lesões e minimizar o cansaço. Mas ninguém dissertou extensivamente sobre isso. Foi conhecimento que foi sendo adquirido e passado de geração em geração, sem a ânsia de que ele escorregasse das mãos. E um dia de apanha vai passando, sem grandes alaridos, e as pessoas vão falando, cantando ou rindo enquanto o tempo passa despercebido. No final do dia, a brisa volta a cumprimentar a face e deixa-nos em casa. E o dia ainda tem noite para render.

Talvez todos devêssemos ir apanhar castanhas para perceber que a vida moderna tem muito mais de moderna do que de vida e que esta, sim, tem o triste fado de se ir escapando.

Artigo da autoria de Pedro Alves

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