Crítica

Dune – O complexo filme de Hollywood que Denis Villeneuve simplificou

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A recente versão de “Dune”, por Denis Villeneuve, representa um marco histórico na cinematografia mundial, em específico, na ficção científica. O amor pela obra literária e o toque pessoal que o realizador de nacionalidade canadiano francesa deu ao filme, ajudaram na perfeição e no detalhe à adaptação desta complexa obra ao grande ecrã.

Quando se pensa em ficção científica, a primeira coisa que nos vem à memória são os clássicos universos como Star Trek, Alien, Blade Runner (de 1982), The Ting ou até mesmo os filmes da saga do George Lucas como Star Wars. Infelizmente, poucos são aqueles que relembram “Dune” como sendo um dos grandes clássicos. Talvez pela falta de validação ou aclamação do grande público. “Dune” não é apenas mais um filme dentro deste grande género cinematográfico, mas sim “O Pai” de todos os filmes de ficção científica. Pelas mãos do jornalista e autor Frank Herbert nasce assim esta obra-prima, “Dune” (livro escrito em 1965). O complexo e misterioso mundo futurístico datado no ano 10191, tem várias e específicas localizações interplanetárias, estória esta que retrata a aventura e o acordar espiritual de um jovem messias chamado Paul Atreides, detentor de um território de elevada importância geopolítica.

Porém, a complexidade do universo de Frank Herbert não intimidou o génio do cineasta chileno, Alejandro Jodorowsky- o primeiro a querer uma adaptação ao cinema. A ideia de recriar esta fantástica aventura para o grande ecrã era real e custava milhões de dólares, com participações especiais como a do pintor Salvador Dalí. Infelizmente, esta adaptação cinematográfica nunca foi além do papel como ficou documentado no “Jodorowsky’s Dune” em 2013. Apesar de a adaptação de Jodorowsky nunca ter visto a luz do dia, o seu legado ficou patente em vários dos clássicos de ficção científica anteriormente já referidos.

Após a desastrosa e quase ridícula adaptação da obra por David Lynch em 1984, nasce em 2021 um “Dune” moderno, sombrio e petrificante, pelas mãos de Denis Villeneuve. Este já conceituado cineasta no mundo da sétima arte não é novo neste género de universos. Criador de filmes como Blade Runner 2049 (2017), Arrival (2016) ou Enmy (2013) decidiu pôr todo o seu amor neste que lhe é um filme especial. Apesar de ser um assumido fã da obra literária de Herbert, o que poderia ser um indicador para mais uma desastrosa adaptação tornou-se numa obra-prima, se não numa das melhores e mais fiéis adaptações ao livro. Este que é um dos melhores filmes de 2021 e da sua carreira, foi magnificamente arquitetado. Tudo em “Dune” parece uma bela sinfonia, onde tudo se conjuga a favor desta bíblia sagrada da ficção científica.

Os detalhes dos frames tornam rica a experiência cinematográfica, tendo até parecenças com frescos renascentistas, bem como os diálogos entre personagens. A calma com que a estória é desenvolvida ajuda na sua compreensão, para aqueles que são novos neste universo de Herbert. Atreva-se a dizer-se que assistimos quase a um documentário do quão detalhado e perfecionista cada frame foi concebido. A realidade dos cenários onde o filme foi gravado – como o deserto Wadi Rum, conhecido como “O vale da lua” no sul da Jordânia ou os cenários construídos de raiz em Budapeste, como o interior do palácio imperial do planeta Arrakis – permitiu uma maior imersão não só de quem assistiu ao filme, mas certamente também dos atores. Esta preferência ajudou, sem dúvida, na hora da performance. Os chamados cenários de telas verdes, por vezes requerem um maior desgaste imaginativo e criativo por parte dos realizadores ou atores, que perdem a necessária vivacidade que as personagens tanto necessitam. Não foi o caso, pois o elenco de luxo que Villeneuve conseguiu – Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Stellan Skarsgård, Oscar Isaac ou Javier Bardem – permitiu uma extraordinária atuação.

Os detalhes artísticos nos efeitos de luz ou na escolha do simples e futurístico guarda-roupa tornam o ambiente ainda mais imersivo e intenso com uma paleta de cores cruas e frias, que contrastam com as cores vivas e quentes das explosões ou dos interiores luminosos das aeronaves. A fotografia, pelas mãos de Greig Fraser, não desapontou, dando até a sensação de que fazemos parte da trama e que estamos lado a lado com os personagens.

Os dialetos usados por muitos dos intervenientes da trama são igualmente brilhantes. Todos eles foram desenvolvidos de raiz pelo já conhecido linguista e escritor David J. Peterson, um dos criadores das línguas usadas na série Game of Thrones. Por fim, a banda sonora produzida por Hans Zimmer é simplesmente soberba, aterradora e literalmente de outro mundo. A capacidade que a mesma tem de nos fazer mergulhar nas sensações e sentimentos que cada personagem vive ou no momento em que se encontra, é alucinante.

Em suma, a primeira parte de “Dune” de 2021, este que é um filme exótico e de difícil compreensão e filmagem, foi concebido com grande mestria. A escolha de repartir o filme foi também a mais sábia, visto que a obra original se desdobra em 3 volumes. O único erro será talvez a falta de um maior número de figurantes, ou tempo de rodagem, para dar um maior enfoque no povo de Arrakis.

Artigo da autoria de Diogo de Sousa

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