Artigo de Opinião

Bons Hábitos

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Com alguma boa vontade, estou disposto a conceder que vossa mercê seja boa pessoa: ora, mas o bom não impede o melhor! Olhando à sua volta, creio que chegaremos à mesma conclusão, a saber: as coisas podiam estar piores… mas também podiam estar bem melhores! Seguindo as pisadas de Madre Teresa de Calcutá, que, quando questionada acerca do que era preciso mudar na Igreja Católica, respondeu «tu e eu», vamos ao que é verdadeiramente importante.

Toda a gente sabe (terraplanistas à parte) que a física contemporânea é melhor do que a física de Plotino. O mesmo se passa com a medicina, com a biologia e com a engenharia civil. Coisas há, porém, que não são melhores por serem recentes: o exemplo clássico, claro, é o vinho do porto; é também o caso da literatura e, entre outras áreas do saber, a filosofia.

Tudo isto para dizer o quê? Tudo isto para o leitor não torcer o nariz quando souber que lhe venho escrever coisas ditas por um senhor que viveu há mais de vinte séculos. Aristóteles é o seu nome. O tema, como do título se infere, são os hábitos. E não se assuste o leitor com a palavra filosofia: vamos ser muito práticos!

O que é um hábito? Em português do século XXI, “hábito” é sinónimo de “rotina”; segundo a Infopédia, significa uma “tendência ou comportamento, geralmente inconsciente, que resulta da repetição frequente de certos atos”.  É uma espécie de mecanismo que vamos formando. Contudo, não era isso que Aristóteles entendia pelo termo. Para ele, um hábito (“héxis” era a palavra, caso queira o leitor dar um ar de erudito aí por casa) era uma disposição estável para o bem ou para o mal. O que é que este palavreado quer dizer? Quer dizer que os hábitos (“héxeis”, já que aqui estamos) não são mecânicos, mas bem orgânicos. De facto, uma disposição é uma espécie de capacidade: só posso saltar se estiver disposto, ou preparado, para saltar; só posso estudar se me dispuser a isso; nos dias em que estou mal disposto não faço coisa nenhuma. A particularidade dos hábitos é que são disposições estáveis!

O tema é muito interessante e poderíamos permanecer aqui horas e horas debruçados sobre os tipos de hábitos; mas eu prometi que ia ser prático. O sr. Aristóteles distinguiu dois tipos muito importantes de hábitos: os vícios e as virtudes. Ambos são hábitos que apontam para a ação: as virtudes para agir bem e os vícios para agir mal. Sei bem que, para o leitor, virtudes e vícios podem parecer palavras antigas (e são), mas permita-se acolhê-las por um pouco: uma virtude é um hábito que faz de si melhor; um vício é um hábito que faz de si pior. Melhor e pior o quê? Melhor e pior ser humano, desde logo, e depois melhor e pior pessoa concreta. Se eu quiser ser bom escritor – um escritor virtuoso -, preciso de bons hábitos de escrita; se quisesse ser bom cozinheiro, precisaria de bons hábitos de cozinha. Isso faria, não só, dos meus textos ou das minhas refeições, melhores textos e melhores refeições, claro, como também de mim melhor escritor ou melhor cozinheiro. Reparou no salto? Não é só o bacalhau com natas que ficou melhor: eu também fiquei melhor… as minhas ações mudaram-me!

Deixemos os pratos e olhemos para a imagem mais abrangente. Aristóteles diz-nos que uma andorinha não faz a Primavera: não é por eu marcar um golo que sou bom jogador de futebol; não é por eu dizer uma mentira que sou mentiroso. Não obstante, se disser muitas mentiras, ou se acordar muitas vezes tarde, ou se falar muitas vezes mal nas costas dos outros, deixarão de ser coisas que eu faço: passarão a ser aquilo que eu sou. Já no tempo do imperador Juliano (século IV) se dizia: o hábito é uma segunda natureza.

No entanto, isso, que é um grande perigo, para Aristóteles, é também a nossa grande oportunidade: quer o leitor ser mais paciente? Aja como uma pessoa paciente: aja assim repetidamente. Quer ser melhor estudante? Descubra quais são os bons hábitos que conduzem nessa direcção. Quer ser mais honesta? Comece a dizer a verdade… Tudo isto parece uma verdade de La Palice. Talvez seja. Mas o que é facto é que a larga maioria dos nossos vícios começaram com um “Oh! É só desta vez!”, e a vasta maioria dos nossos desejos são rejeitados com a desculpa “Nem sei por onde começar”.

Pois bem, “ano novo”, dizia a minha tia Fatinha, “vida nova”. Para onde quer ir? Que tipo de pessoa quer ser? Quiçá se tenha já como boa pessoa. Ainda assim, como já disse, o bom não impede o melhor. “Para onde é que eu vou?” Esse é o seu objetivo: agora pense nos meios, descubra os hábitos que precisa de adquirir e… mãos à obra!

Artigo da autoria de Gonçalo Costa

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