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Artigo de Opinião

A magia por detrás do anonimato

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O que será que motivou artistas como Banksy, Sia, a dupla francesa Daft Punk- que terminou no início deste ano-, a banda britânica Gorillaz ou os bloggers portugueses ‘Casal Mistério’ a optar pelo anonimato, pelo menos na fase inicial das suas carreiras?

Não é por acaso que quando alguém está na escalada para o estrelato, a frase que mais vezes lhe é sussurrada ao ouvido é “Mantém os pés bem assentes na terra”. É um lugar-comum dizer que a fama é efémera, fugaz, mas não deixa de ser verdade que, por vezes, se pode tornar assoberbante e, em última instância, o mote de um ciclo autodestrutivo, tal como terá sido o caso de Michael Jackson. Não obstante, é preciso uma grande dose de coragem, validação interna, humildade, perseverança e firmeza para, no momento em que se atinge o apogeu do sucesso, renegar os privilégios e atenção que advêm da fama.

Por outro lado, será o misticismo criado à volta de personalidades que escolhem manter-se anónimas um segredo para o sucesso? É inegável que quando se ofuscam todos os fatores distratores, a nossa atenção debruça-se inteiramente sobre a obra, o talento e o trabalho do artista. Sendo assim, não deveria ser esse o objetivo primordial de toda e qualquer pessoa que ambicione singrar no mundo artístico? Então por que razão vemos cada vez mais pessoas a enveredar pelo trajeto oposto, isto é, lutarem primeiramente pela fama, a todo o custo, e depois mostrarem realmente o que valem, numa altura em que já usufruem de uma posição que não carece de validação externa. Será porque esta via é mais fácil? Mais cómoda?

Nos anos 90, a cidade de Bristol começou a somar murais de Banksy e, mais tarde, com a globalização da internet, o trabalho deste artista britânico conquistou fãs um pouco por todo o mundo. Apesar da identidade por revelar, conta atualmente com mais de 11 milhões de seguidores na conta de Instagram onde vai divulgando os seus mais recentes trabalhos que, hoje, têm casa não só em Bristol, como também em várias outras cidades, como Paris ou Nova Iorque.

Contudo, a sua criação artística não termina na sua street art. Banksy estreou-se em 2010 como diretor de cinema com a película “Exit Trought the Gift Shop” (em português, “Banksy- Pinta a Parede!”), um documentário onde explora o status quo, a banalização da arte urbana e o excesso de marketing envolvido, comparando as obras contemporâneas aos produtos que se compram na “gift shop”. Na sua ótica, a divulgação em demasia surge frequentemente como forma de colmatar a escassez de talento do artista. Banksy é uma das personagens do documentário, representado por si próprio, sempre com um capuz e com a exímia discrição que tão bem o caracteriza.

Para além disso, inaugurou, em 2015, o parque temático “Dismaland”, uma versão distópica da Disneyland- “Dismal” significa sombrio/ sinistro em português, adjetivos que bem caracterizam a atmosfera deste parque localizado em Somerset, contíguo a Bristol.

“Napalm (Can’t Beat That Feeling)”, Banksy, 2004

A criatividade de Banksy parece ser ilimitada e, embora estejamos a ser constantemente presenteados com novos murais que estremecem o nosso conformismo e geram uma inquietação saudável, há alguns que ficarão para sempre marcados na história da arte urbana, nomeadamente “Girl With Balloon” (2002) – que ficou famoso pela polémica autodestruição  da versão em tela da obra, durante um leilão em Sotheby’s, em 2018, após ter havido uma oferta de 1 milhão de libras-, “Soldier Throwing Flowers” (2005), “Stop and Search” (2007) ou “Game Changer”(2020) – uma homenagem aos profissionais de saúde que são indubitavelmente os verdadeiros heróis da pandemia-, leiloado por 16,7 milhões de libras.

“Game Changer” (2020), Banksy
Fonte: CNN

Depois de todo o  reconhecimento e prestígio alcançados, a curiosidade sobre quem se esconderá atrás daquele capuz cinzento é geral. Em 2020, foi lançado um documentário denominado “Banksy- O mais procurado”, disponível na plataforma Filmin, que explora exatamente esse enigma, contando com testemunhos de quem o conhece e trabalhou com ele e de pessoas que se dedicaram a investigar, seguir pistas e rastos que conduzissem até suspeitas sobre a sua verdadeira identidade.

Já se suspeitou que a figura por detrás de Banksy fosse Robert Del Naja, vocalista dos Massive Attack, o anónimo Robin Gunningham, dado que foi publicada uma fotografia sua num jornal britânico, na década de 70, e até a Jamie Hewlett, músico dos Gorillaz, já foi atribuída a sua identidade. No entanto, todas as suspeitas se mostraram inconsistentes e infundadas, e o mistério continua por desvendar. Em “Banksy- O mais procurado”, um ex-manager do artista revelou que o próprio Banksy cria pistas falsas de forma muito calculista, logo há um método muito bem pensado, para além de um conjunto de pessoas a cooperar nos seus esquemas, de modo que a sua identidade permaneça oculta.

Se amanhã Banksy decidisse divulgar a sua identidade, não se iria perder a magia que rodeia o brilhante trabalho que agita o coração de todos nós? Não estaria a quebrar os seus próprios princípios e ir contra a sua natureza subversiva? Tal como referiu numa entrevista, “A arte deve confortar os perturbadores e perturbar os confortáveis”. O impacto social das suas obras é transversal e, claramente, a ambição de Banksy nunca foi criar arte para elites intelectuais, mas sim inquietar além-fronteiras, de forma a desempenhar o seu papel na mudança de mentalidades. Citando Vergílio Ferreira, “Com óculos cor-de-rosa, o cor-de-rosa não existe” – assim, precisamos de mais Banksy’s, pessoas que veem o mundo com os seus próprios olhos.

Por isso, chega de tentar assumir controlo sobre tudo e investigar o ininvestigável. Há certas lacunas e misticismos que vale a pena preservar, e improvisos que nos fazem evoluir – “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios”.

Não saciemos toda a curiosidade, imprevisibilidade e inquietação antes da cortina se fechar! E na época natalícia, mais do que nunca, vamos tentar manter este espírito presente e transpor para a nossa vida o olhar mágico com que as crianças vislumbram o ‘Pai Natal’.

 

Artigo da autoria de Mariana Batista Maciel