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Artigo de Opinião

O dinheiro cai do céu

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Este não é um artigo sobre o investimento ou não no SNS. Deixemos esse assunto para outras intervenções. É sobretudo um texto sobre princípios básicos da economia (servi-me dos ensinamentos da leitura recente do livro “Economics in one lesson”, de Henry Hazlitt) e sobre a lei de Lavoisier – “Na Natureza, nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”.

Porque é que existe dinheiro? Haverá várias explicações, mas uma delas será que a partir de determinado momento da evolução da Humanidade foi necessário atribuir um valor às coisas, não só para as transacionar, mas para preservar o valor delas em determinado momento. Se eu quisesse trocar uma galinha para obter cinco nabos em troca, poderia ser justo para mim dar uma galinha em troca de cinco nabos, enquanto que o meu vizinho poderia dizer que a galinha só valia dois nabos. Havendo dinheiro, se a galinha for vendida a 10€ pela maioria das pessoas e o nabo a 1€, então sei que se quiser continuar a fazer uma troca com o meu vizinho, se eu der uma galinha e receber dez nabos não vou ficar a perder em termos do valor do meu património ou, melhor ainda, posso vender a galinha por 10€ a um terceiro e comprar ao meu vizinho apenas os cinco nabos que queria inicialmente, ficando ainda com 5€ para gastar (em nabos ou outra coisa de que vier a necessitar).

Neste exemplo, mais ou menos científico, fica também evidente que o conceito de dinheiro vem associado ao conceito de preço que, num mercado livre, é definido pela interação entre a procura (se as pessoas querem muito ou pouco um produto ou serviço) e a oferta (quanto há disponível no mercado). Assim, sem a existência de fenómenos nocivos para o funcionamento de um mercado livre, como a cartelização ou monopólios (que são tendencialmente minimizados pela criação de condições para investimento privado que permitam a criação de concorrência), os preços traduzem o valor que a maioria das pessoas atribuem ao bem, produto ou serviço associado.

Por último, nesta pequena introdução, vem a noção de lucro. Os lucros são um dos principais inimigos do BE. Várias medidas foram já propostas nesse sentido como a proibição de despedir trabalhadores por parte de empresas que apresentassem lucro no período da pandemia de Covid-19. O lucro não é mais do que um indicador da contribuição de uma empresa para a sociedade, ou seja, há lucro se o valor da matéria-prima e/ou processos implementados por uma empresa for inferior ao valor dos artigos ou serviços colocados no mercado. Por outras palavras, o lucro permite aferir se o trabalho, dinheiro e recursos investidos em determinado negócio estão ou não bem alocados face às necessidades da sociedade. Como diz Henry Hazlitt, nem o conjunto de governantes mais brilhantes e com a melhor capacidade de análise conseguiria fazer tal avaliação por mera intuição.

Portanto, desta introdução conclui-se que tem de haver dinheiro para atribuir um valor (preço) a tudo o que a sociedade precisa para funcionar. Esse preço resulta da combinação da abundância do bem ou serviço e da necessidade que há em tê-lo. E, finalmente, a criação de valor para o desenvolvimento da sociedade e otimização da gestão dos recursos à disposição, que são limitados, é utilmente avaliada pelos lucros das empresas.

Regressemos então à frase de Catarina Martins, que alude a um financiamento do SNS sem limites, e que “vai ter o custo que tiver”. Governar significa fazer escolhas. Um aumento do financiamento do SNS significa automaticamente uma de duas coisas: se partirmos do princípio que o bolo de dinheiro que o Estado tem à disposição se mantém, então colocar mais dinheiro na Saúde significa desviar dinheiro de outros setores da sociedade (Educação, Forças de Segurança, Transportes, etc); por outro lado, se não se quiser desviar fundos de nenhum setor que dependa de financiamento do Estado, então terá que haver um reforço do bolo do Estado. Isso ocorre por duas vias: recorrer a empréstimos (aumentando o endividamento nacional, que se situava nos 131,4% do PIB no terceiro trimestre de 2021) ou um aumento dos impostos (retirando dinheiro dos contribuintes, que é equivalente a retirar dinheiro da economia nacional que poderia ser usado em consumo ou investimento privado).

É essencialmente neste capítulo que a retórica do BE cai por terra. Onde é que se vai buscar o dinheiro? Ou será que é esperado que ele caia do céu, também conhecido como taxas de juro negativas do Banco Central Europeu, perpetuamente? O BE foca-se muito nas questões de distribuição da riqueza, mas esquece-se de um pormenor: é preciso haver riqueza para a poder distribuir.

Para tentar resolver o problema, o BE desenha uma solução: vamos taxar as grandes fortunas e serão os ricos a pagar os investimentos adicionais no Estado Social. E então propõe, por exemplo, novos escalões do IRS para reforçar a progressividade fiscal e tentar chegar aos rendimentos mais elevados. No entanto, isto tem várias lacunas. O primeiro é que, embora pareça à primeira vista que isso poderia constituir uma receita importante, não seria bem assim. Segundo o artigo, já com alguns meses, de Carlos Guimarães Pinto, no Eco, em 2017, as pessoas afetadas pelo último patamar do IRS, que abrangia rendimentos acima de 3500€ líquidos, constituíam 11% das receitas do Estado em sede de IRS. Como refere o economista, escalões para rendimentos muito acima dos 3500€ por mês, os verdadeiros “salários milionários”, significariam uma receita pouco impressionante, mesmo que a taxa aplicada fosse mais elevada. Depois, a acumulação de capital (dentro de certos limites) é necessária para permitir investimentos e tomada de riscos que levam à criação de novos negócios, promovendo o crescimento económico do país, criando postos de trabalho e fazendo subir o tão falado salário médio nacional.

Essencialmente, o principal problema das políticas económicas do BE é o horizonte temporal. Podem, eventualmente, resolver problemas a curto prazo, mas quando a riqueza inicialmente distribuída e usada para financiar o Estado Social se começa a esgotar, carecem de soluções para  gerarem continuamente riqueza para voltar a distribuir e investir. Voltemos a uma alegoria. Imaginemos que quatro pessoas estão há vários dias perdidas numa floresta, sem perspetivas de vir a ter auxílio. O cansaço e a fome começam a apertar e tudo o que resta a este grupo para se alimentar é um pão. Sabendo que precisam de comida não só para aquele momento, mas também para os dias seguintes, um dos membros do grupo sugere irem pescar para obter mais alimentos e aumentar as chances de sobrevivência. Sugere, então, construírem uma cana de pesca rudimentar com um galho de uma árvore e usarem bocadinhos do pão como isco para os peixes (estou quase certo de que não é o melhor isco para peixes, mas aguentem comigo até ao final desta alegoria). Os outros membros insurgiram-se contra ele, de imediato, dizendo que deviam era dividir o pão entre eles para cada um comer um bocado e depois logo se via se era preciso ir pescar. E assim fizeram. Quando mais tarde nesse dia, a fome voltou a apertar, todos concordaram que era obrigatório tentarem pescar. Mas já não tinham isco para colocar na cana de pesca. E assim ficaram sem pão e sem oportunidade de obter peixe. Quando não há pão nem peixe, como em 2011, quando ministro das Finanças do PS, Teixeira dos Santos, alertou que só havia dinheiro no país para pagamentos até ao mês seguinte, era consensual que precisávamos de usar o pouco pão que tínhamos para ir pescar. Mas enquanto há algum pão para se ir comendo, as políticas de esquerda, nomeadamente do BE, parecem apelativas, até ao dia em que voltamos a ficar sem pão. É urgente pôr Portugal a crescer economicamente. Enquanto essa não for a prioridade, o BE não terá dinheiro para poder distribuir e investir, a não ser que ele caia do céu.

Artigo da autoria de Pedro Alves