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Opinião

Niilismo Manufaturado

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Quando Luís XVI reuniu a Assembleia Nacional pela primeira vez, na sua ala direita ficaram os apoiantes da monarquia e contra a revolução liberal – constituída pelo clero e nobreza, apelidada mais tarde de ala conservadora; e na sua ala esquerda ficaram os apoiantes da revolução liberal, maioritariamente burgueses e o Terceiro Estado, chamada de ala dos progressistas. Este simples gesto definiu a base do eixo político que perdura até aos dias de hoje. O que a história se esqueceu de mencionar foram aqueles que não eram contra nem a favor da revolução. Segundo alguns historiadores, foi neste momento que apareceram os primeiros niilistas, com uma visão cética, radical e pessimista da realidade. Infelizmente, é provável já termos estado na presença de uma “fabricação” destas pessoas, que por muito bons que sejam os nossos argumentos, em praticamente qualquer tópico, dificilmente moveremos a opinião delas.

Estas pessoas não são puros negacionistas da verdade, mas sim o produto de uma estratégia de “descomunicação” bem delineada, que tem como objetivo dificultar a obtenção da verdade. Esta complicação gera um cansaço que tem levado cada vez mais pessoas a abandonarem a ideia de que a verdade é cognoscível. Esta estratégia é vulgarmente conhecida como “Flooding the zone”, e ao contrário das estratégias políticas convencionais que têm como alvo partidos ou oponentes políticos, esta está direcionada à imprensa e mídia tradicional, tornando-se um ataque direto à democracia liberal.

A imprensa tem a função de ser o “watchdog” da democracia, isto é, tem como objetivo supervisionar os poderes políticos de forma a evitar abusos de poder e proteger os cidadãos dos mesmos. Também tem o poder de ser o” gatekeeping” filtrando e separando os factos da ficção e permitindo aos cidadãos fazerem as suas escolhas políticas. O problema é que se causarem um crash neste processo através da saturação do sistema com desinformação, e sobrecarregando a capacidade de filtração da imprensa, consegue-se interromper o processo democrático.

O efeito desta sobrecarga não tem o como objetivo levar as pessoas a acreditarem na desinformação que é partilhada, mas pelo contrário, o objetivo é não permitir que as pessoas acreditem em qualquer tipo de narrativa. Acaba a funcionar como o embaciar de um espelho: apesar de todos estarem a olhar para o mesmo espelho, formam todos opiniões diferentes sobre o mesmo assunto impossibilitando qualquer tipo de consenso. Esta forma de desinformação só foi possível através da era digital e a facilidade de troca de informação imediata em qualquer parte do globo.

Apesar da imprensa tentar combater a desinformação através do apuramento da verdade, isto torna-se um infortúnio, porque é indiferente se é verdade ou não. A facilidade e rapidez que o digital trouxe na propagação da desinformação através das redes sociais, faz com que quando a verificação sair, os estragos já estão feitos. A decisão de obter a verdade, por vezes, acaba por amplificar a mentira e, em alguns casos, por normalizá-la.

Esta descrença nas instituições é geralmente concebida por políticos astutos, que intencionalmente iniciam este tipo de campanhas com a intenção de descredibilizarem o sistema. Apresentam-se como outsiders com uma aura “messiânica”, e ao assumirem-se como descrentes do sistema criam um elo de ligação com as suas vítimas. Isto gera uma polarização, e há a sensação de que está tudo está em jogo, permitindo-lhes dizer tudo o que quiserem.

Este niilismo, que afeta cada vez mais os cidadãos das democracias ocidentais, tem-se tornado um autêntico cancro que corrói as instituições democráticas, levando ao mau funcionamento das mesmas e a possíveis problemas socias no futuro. A democracia liberal não pode ter várias interpretações da sua realidade, mas infelizmente é mais fácil diagnosticar o problema do que a cura.

Artigo da autoria de Diogo Moreira de Carvalho