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Crónica

A euforia do agora

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Ouvi dizer que outrora as pessoas paravam para sentir o cheiro de terra molhada depois de uma chuvarada ter caído sobre os terrenos agora lamacentos. Ouvi dizer que nesta hora os relógios correm demasiado depressa para nos darmos ao luxo de não corrermos atrás do tempo.

Tanto ouvi dizer que decidi parar. Abrandar. Sentir o coração desacelerar e o peito assentar após dias inquietos. Olhar em volta e ver que o mundo que nos rodeia é um convite em aberto para viver, descansar e permitir-nos ver as nuvens a passar, o sol a trabalhar ou o nevoeiro a tomar o seu lugar. Quem me dera conseguir andar pelas ruas até saciar o desejo profundo de ser levada pelo embalo do vento. Quem me der poder ser coberta pelo manto frio das águas que caem e caem vindas de cima.

Sim, quem me dera, mas não posso. Não o posso fazer porque de repente consigo ver a Terra a girar, não porque estou no espaço, pudera eu, mas porque se calhar perdi a força para encarar a realidade não do nosso mundo, mas das nossas pessoas. Sinto-me no dever de não viver como forma de compaixão, empatia, porém, na verdade, não vivo porque não consigo ultrapassar o facto de que o que se passa, quer ao meu redor quer a milhares de quilómetros de distância, me sufoca. Sinto o ar a escassear nos meus pulmões e tento gritar um pedido de ajuda, ainda que não seja eu quem precisa de ser socorrida.

O mundo começa a girar de novo e estamos completamente conectados, as minhas costas sobre o seu terreno, os meus olhos postos no azul que nos cobre constantemente. E ainda que haja alguma segurança nesse azul, procuro a sensação das suas transfigurações quando a lua começa a pensar em nos visitar. Abro a boca e encho o peito, até não poder mais, daquele aroma a terra molhada, daquela chuva que cada vez tem sido mais desejada. Respiro e aproveito o que tenho por agora, tentando não ansiar pelo cheiro doce que espero que me atravesse a garganta mais uma vez nos meses aquecidos.

Dou por mim carente da euforia insaciável que advém do natural, porque nada é mais viciante do que o desejo de viver, o que pode ser muito equivalente ao medo de me perder.

Artigo da autoria de Joana Oliveira