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Devaneios

Cartas de mim

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Lamento a morosidade e o silêncio. Colidir com o estúrdio do meu passado parece-me um desafio ainda distante de abater, mas hoje, como que um sinal, despertou-se em mim a leve memória dos receios sentidos na alvorada da adolescência. Suspirei por um abraço, não minto, mas logo me apercebi que a escrita seria a solução. Afinal de contas, sempre o foi.

Mirada de cima abaixo, esboçou-se uma menina infeliz. E quem o diria? Na sua pequena bolha de fantasia, tudo aparentava ser cor-de-rosa. Recordo-me de uma infância doce pejada de cantorias, de contos, de troças e risotas no parque, de caseiros teatros ensaiados e recriados para a família, de desenhos-animados ao amanhecer e de aconchegantes abraços paternais em jeito de embalo para adormecer.

Uma criança simples de sorriso fácil – houveram-lhe dito. Mas esse seu brilho rapidamente desvanecera, e com ele o seu espírito. A apreensão ao fracasso fazia-se ensurdecer pelas paredes do seu quarto, a monstruosa timidez em nada facilitava a exibição do seu autêntico “eu”, e os amigos, que não eram fartos, pareciam apoderar-se dos seus próprios pensamentos.

Não acreditava mais no seu talento, assentia com apresso às sádicas observações que recebia. Não contava as estrelas no céu, apenas as calorias ganhas após um longo dia. Não lia contos para adormecer, chorava até que o cansaço a dominasse. Não cantava mais, o silêncio reverteu-se na sua maior arma.

Desmoronaste. Amadureceste, e uma insólita realidade emergiu: toda a crueldade que persiste ao nosso redor. Pura e ingénua, não estavas preparada, e para te ser honesta, não sei se estás ainda. Mas não te escrevo hoje para prosear que o mundo é bonito – estaria a mentir-te – liberto-me apenas, em palavras, para articular o meu orgulho por ti, por mim.

Muitos são aqueles que ousam confrontar a inocência e a sensibilidade a detestáveis defeitos. Cá eu, arrisco-me a proferir, de sorriso largo na face, o quão verdadeiramente confio serem as tuas maiores forças.

Num mar de malícia, priorizaste a tua essência, e só assim faz sentido prosseguir.

Artigo da autoria de Sara Terroso

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