Opinião
O Reino Unido de Rishi?
O Reino Unido é o país que mais acolheu amigos meus que desejaram arriscar num novo tabuleiro da vida. Seja na saúde, ciência ou nas humanidades, não conheço um que já tenha regressado. Ansiaram todos por um elevador social que saísse do rés-do-chão, mas que nem sempre os fez subir. Dez anos depois da evacuação em massa de uma ‘geração à rasca’, será hoje o Reino Unido (RU) uma nova realidade profissional ou uma miragem do passado?
Na falta de uma resposta simples, olhemos para os sinais.
A Grã-Bretanha conheceu três Primeiros-ministros em apenas um ano. Depois da impetuosidade de Boris Johnson e do embaraço de Liz Truss, eis Rishi Sunak. Conservador, sim, mas diferente. Tomando o pulso aos seus debates semanais (acesos) na Câmara dos Comuns, parece que o Reino Unido (RU) finalmente tomou conta da situação. Na passada sessão de 15 março, Sunak abria o debate com os mais recentes ‘triunfantes objetivos’: (i) a proteção das fronteiras com acordo de emigração ilegal RU-França; (ii) a resolução da sucursal do ‘Silicon Valley Bank sem custos para os contribuintes’; (iii) e o reforço da política de defesa com o acordo UKAUS. Se há algo que mudou na estratégia conservadora, tem sido a forma como usa o ‘discurso informal britânico’ para tentar reaproximar os eleitores a uma maioria empobrecida.
Mais eis que surgem dois discursos. Duas Grãs-Bretanhas, na verdade. Enquanto Sunak relança uma campanha de prestígio internacional, Rishi tem uma realidade social em plena depreciação. Ainda que sem a relevância para além dos debates semanais, o líder da oposição Keir Starmer simbolizou este declínio com a fatigante aglomeração de problemas: (i) casos de abusos e misoginia na Polícia; (ii) a impunidade das elevadas taxas de crime violento; (iii) o assoberbante custo de vida; (iv) a crise permanente do serviço nacional de saúde. E foi nesta sessão de 22 de março que quase se verificou o corolário do RU pós-Brexit. Um líder conservador que apesar dos problemas, assegura que nunca se fez tanto e que ninguém faria melhor. A ideia proverbial que um RU sem as amarras de Bruxelas seria uma terra livre, próspera e ágil, chocou de frente com os problemas que sempre estiveram lá. A erosão social decorrente da desvalorização do valor do trabalho e a incapacidade de lidar com uma população envelhecida (com uma agravante fluxo imigrante jovem), expôs a Grã-Bretanha ao seu pecado capital: de ser relevante internacionalmente quando se trivializa internamente.
Existe um futuro para o RU? Tanto ‘Rishi’ como ‘Sunak’ acham que sim. Ainda que sendo uma semi-potência mundial, a sagacidade britânica (com as vacinas contra COVID-19) e o espírito de resiliência (com as alterações energéticas pós-invasão da Ucrânia) ainda estão bem presentes. A desagregação tem raízes mais profundas, muito para além dos revisionismos entre unionistas e independentistas. A renovação social no RU está entre uma encruzilhada coletiva, sem saber para onde se dirigir. Com a ausência de uma união de valores comuns, quaisquer uns que sejam, originam focos de má comunicação entre franjas da sociedade, destinadas a clivar ainda maiores divisões.
O que podemos dizer para os jovens portugueses que sonham com o RU? Diria que lá (como no resto do mundo ocidental), falta o debate essencial sobre como coabitar livremente os desafios do novo-tradicionalismo e as emergentes identidades em sociedade. E isto revela-se nas disputas laborais que estas divisões tornam ainda mais evidentes. A inflação não discrimina, mas complica mais a uns do que outros. Talvez a chave esteja na redefinição da economia com integração do ‘novo’ RU no elevador social, tornando a emigração parte da solução em vez de ser um problema por completo.
Os meus amigos emigrantes não voltarão a Portugal, mas ainda não cumpriram o sonho. E não é com esta divisão, que a Grã-Bretanha os irá proporcionar.
Artigo da autoria de José Caetano