Crónica

Pazes

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De tudo ficaram apenas as incertezas. Os dois sentados num banco de praça qualquer. Cenário verde forte exalando cheiro de mata. Domingo gasto, não era descanso. Havia chovido dias antes, notava-se pelos tons saturados exorbitantes. Calados, fitaram-se durante tempos. Tempos fortes, um longo tempo. Apenas o silêncio os entreteve.

Incapazes de trocar caricias — orgulhosos que são —, retrucavam olhares. Despercebidos, claro. Valiam-se da insensatez do outro, enquanto fingiam não se contrapor ao ocorrido: estavam presos em si mesmos, mas não entre.

Então, depois de um longo tempo a dois, eis que surge o primeiro toque: um abrupto movimento, porém leve — lê-se contato — seguindo pelo braço solto escorrendo membro a cima, a passo, chegando até ao pescoço — calafrios.

Passado o frio na barriga, um gesto atroz marca o tão relutante desejo interno de manter ávido o carinho recebido versus o direito de se estar certo ­— intocável — marcado pela argumentação gestual à ação (per)ocorrida.

Veio então mais um outro silêncio. Esse durou pouco, gritou menos. Fora logo calado por uma relutante certeza de defesa: coreografadas palavras dançavam uma fisiológica canção. Olhares foram trocados mais uma vez. Sentimento de culpa fora gerado. Martírio interior.

[ pausa para uma relutante e indescritível sensação de estupidez ] 

Fora perdido muito tempo…

Muito tempo foi perdido para que se pudesse perceber que toda a discussão tivera sido em vão. Ambos tinham seus medos e suas razões convertidos em desejos, desejo de se estar…, mas o que é que não sabiam? Por que não ficaram antes calados aproveitando o curto tempo juntos?

Tolos

[…]

Abraço em ritual de despedida, seguido por um adeus a seco, contido.

Com a chegada aos seus distintos destinos, trocaram mensagens de amor nunca antes ditas cara a cara — oportunidade gasta. Eram amantes à moda antiga. E o amor é mais forte quando se está longe, mas mais forte ainda quando se está distraído.

Artigo da autoria de Ícaro Machado

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