Opinião

Otimismo e Esperança

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Em toda a minha vida estive acostumado com mudanças.

Nasci em São Paulo, uma verdadeira metrópole construída pelas mais diversas culturas, mas que, infelizmente, é manchada por conta da sua constante violência, quotidiano caótico e poluição extrema.

Logo aos 8 anos me mudei para Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Apesar de algumas diferenças linguísticas e regionais, fui bem acolhido pelos mineiros e ainda guardo com todo o carinho as lembranças e os amigos de BH.

Contudo, a falta de segurança recorrente no país inteiro, bem como a crescente onda de ódio e fanatismo político pelos grupos de extrema-direita, não deixou a mim e a minha família outra escolha: nosso futuro deveria de ser longe da minha querida pátria amada.

De Portugal, pouco conhecia além do futebol. Chegado ao Porto, só conhecia este nome por conta do esquadrão formado por James Rodriguez, Hulk e Falcão nos tempos áureos de André Villas-Boas. Portanto, é de se imaginar que o choque cultural foi extremamente impactante: ao início, nem conseguia perceber o que os meus colegas de sala diziam. Ao longo do tempo, como sempre aconteceu ao longo de toda a minha vida, fui-me adaptando à cultura e ao ambiente.

Mas houve um detalhe que nunca mudou: as pessoas sempre me diziam que eu era extremamente otimista.

Lembro-me claramente de um colega meu dizer que eu “trazia aquela alegria de carnaval do Brasil”. Dei risada ao início, mas ao longo do tempo reparei que as pessoas me tratavam como alguém inocente, que vivia num mar de rosas eterno.

Acho que muitas pessoas não só são pessimistas, como elas acreditam que otimismo é um sinónimo de ignorância. E quando falo sobre pessoas pessimistas, eu também incluo aquelas que se dizem realistas. Para mim, é evidente que ser realista é ser pessimista. Afinal de contas, a realidade em si é péssima. Depois dessa frase, você até pode achar que eu esteja a me contradizer ou que eu próprio seja um pessimista, mas posso-me explicar…

Diferentemente da maioria, penso que ser otimista não é apenas diferente de ser ignorante. Pelo contrário, estes conceitos, na verdade, são opostos. Para alguém abraçar o otimismo, essa pessoa precisa de entender que o mundo, na sua grande parte, é um lugar injusto, avassalador e sem sentido. Portanto, a pessoa verdadeiramente otimista não é feliz por conta do mundo ser perfeito: ela é feliz apesar do mundo ser imperfeito. Apenas num mundo injusto é possível compreender o impacto das nossas ações na vida de outras pessoas. Apenas num mundo avassalador é possível construir as bases para uma sociedade mais humana e solidária. Apenas num mundo sem sentido é possível expressar emoções complexas através das artes e estudar fenómenos extraordinários por meio da ciência.

Contudo, é importante ressaltar que o pessimismo está interligado com o ser humano desde o início dos tempos: possuímos o viés de negatividade por conta do nosso instinto natural de procurar e alertar sobre perigos e ameaças contra a nossa integridade. Esse aspeto é de extrema importância para entendermos do porquê as pessoas serem tão pessimistas: só os acontecimentos – e aquecimentos – globais já seriam o suficiente para causar pânico e preocupação a todos nós, mas, para além disso, também tentamos nos proteger de traumas e receios que guardamos dentro de nós e daqueles que estão fora do nosso controlo. Por esse motivo não podemos desvalorizar o papel do pessimismo. Contudo, existe uma grande diferença entre estar alerta e viver com medo. E nesse ponto conseguimos ver como a cultura portuguesa e brasileira tratam de formas diferentes esse difícil dilema.

O fado é expressão do povo português, uma voz ouvida por séculos e séculos em todo o país. A melancolia e o sofrimento são ecoados constantemente pelas ruas. As lamentações sempre rondam em volta de um destino trágico, ou melhor dizendo, fatum. 

Por outro lado, o Carnaval dura apenas três dias. Depois da Quarta-Feira de Cinzas, o que resta é esperar pelo próximo ano. Contudo, esse período é o suficiente não só para renovar os espíritos dos brasileiros, como também para causar um impacto enorme na cultura popular.

Essa diferença é um reflexo da sua população no geral: os portugueses são extremamente críticos no que se trata à problemas regionais: as compras estão sempre mais caras, as estradas estão sempre esburacadas e as coisas sempre vão ser dessa forma. De certa forma o povo parece conhecer a sua sina: tudo continua e continuará da forma como sempre esteve. Já os brasileiros possuem uma mentalidade diferente. A história do Brasil é marcada por muito sangue, suor e lágrimas, desde a época dos massacres contra os indígenas no Século XVI até ao Século XXI, no qual toda a população viu o país ser destruído por um governo que negou a ciência e, consequentemente, vidas que poderiam ter sido salvas. E é justamente isso que move o povo brasileiro. Afinal de contas, “nós somos brasileiros e não desistimos nunca”. Apesar do Carnaval ser passageiro, ele sempre vai passar pelas ruas.

Portanto, apesar de dizer que sempre estive acostumado com mudanças, há algo que sempre tento preservar com todas as minhas forças: a esperança. De certa forma, é um meio de lembrar das minhas raízes latino-americanas, de não abandonar aquele espírito de esforço e luta em busca de tempos melhores, de não só ver o copo mais cheio, mas também colocar um pouco mais de água no copo.

Contudo, se eu dissesse que esse espírito não sofreu absolutamente nenhuma mudança, eu estaria mentindo. E não tenho medo nenhum de admitir que o pessimismo português moldou as minhas crenças. Por estar em contacto com uma cultura mais negativa, aprendi a valorizar o criticismo como uma etapa importante para o progresso e reconheci que a melancolia pode ser uma maneira extremamente bonita de expressão artística. O próprio Fado é um dos estilos musicais mais apaixonantes e pessoais que já se criou. Mas é claro que a cultura portuguesa não é só feita de tristeza: até porque sem a genialidade de Abel Ferreira no comando na era mais vitoriosa do Palmeiras e sem a magia do Futebol Clube do Porto nos anos de 2010 e 2011, tenho a absoluta certeza que eu não seria tão otimista como sou agora.

Artigo da autoria de Matheus Bissacot

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