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Crónica

Compreensão além da língua

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Imagem: Leeloo Thefirst (Pexels)

Como estudante de línguas, é normal que nos ensinem que devemos aprender os idiomas de uma maneira quase que perfeita, falar como nativos.

Temos que aprender a pensar na língua em que estamos aprendendo para atingir uma fluência impecável, ou seja, evitar ao máximo fazer traduções ou usar a nossa língua materna como “muleta” no processo de aprendizagem. Ah! E quanto mais idiomas aprendemos, melhor. Assim, escrever esse texto talvez possa parecer um pouco irônico ou até contraditório.

A realidade é que acho que nunca vamos conseguir atingir essa perfeição que ansiamos e que nos é cobrada. Não que seja impossível, mas se às vezes nem os nativos conseguem, como conseguiriam os estrangeiros? O que realmente caracteriza a fluência num idioma? Se for a compreensão, esse fator também depende do recetor da mensagem, e é comum que os níveis de entendimento entre duas pessoas sejam distintos, seja pela diferença em termos de perspectiva ou pelo nível de fluência em um certo idioma.

Agora, além de estudante de línguas, sou estudante Erasmus. Seis meses num país diferente, com uma língua diferente, vivendo no mesmo apartamento com pessoas que possuem realidades, culturas, perspectivas, gostos e idiomas diferentes do meu. É normal que a compreensão entre cada um também seja diferente. Mesmo assim, a comunicação entre todos tem sido fácil, apesar da pronúncia imperfeita e com sotaque, bem como a presença dos brancos recorrentes que temos no meio das frases. Acho que todos se entendem.

Mas será que as pessoas realmente me compreendem? Para isso seria necessário falar português do Brasil, com um sotaque e gírias cariocas que às vezes nem meus amigos portugueses entendem (e olha que falamos a mesma língua!). Será que a pessoa que eu sou quando falo inglês, francês ou espanhol, é a mesma que fala o “carioquês”? Ou será que as minhas piadas, os meus sentimentos e as minhas opiniões só fazem sentido quando eu os expresso no mesmo idioma que ouço desde que nasci?

Eu gosto de aprender outras línguas, não me leve a mal. Para mim, é um prazer e acho, também, que é uma das coisas mais bonitas que se pode fazer por alguém. Ouvir a pessoa se expressar com todo o conforto que a sua língua materna te dá, é algo incrível e intrigante, sem dúvidas. Mesmo assim, acho que a compreensão vai muito além do fator idioma. Compreensão é olhar para a minha amiga e entender quando tem algo de errado. É passar horas conversando com meus companheiros de casa e, de repente, paramos para ir para a cozinha, por que sabemos que todos estão com fome. Compreensão é o barulho do silêncio quando estamos com alguém que gostamos. É pensar numa pergunta e a outra pessoa já ter a resposta. É conversar em outro idioma e, quando me fogem as palavras, poder dizê-las na minha língua materna e ter o mesmo significado na língua dos meus amigos, mesmo que eles não entendam por completo. Porque eles me entendem.

Então, ultimamente, fluência e compreensão agora possuem um significado diferente para mim. Não só aquele significado das salas de aula que frequento desde pequena. Agora é um significado que vai muito além dos estudos linguísticos, da gramática e do vocabulário. Às vezes não precisamos saber falar 5 idiomas, não precisamos da pronúncia perfeita ou da eloquência de um professor. Às vezes, as nossas ideias, ações e intenções falam mais alto e se fazem compreender muito melhor do que quando falamos o mais perfeito inglês.

Artigo da autoria de Giulia Ilha

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