Artigo de Opinião
Ativismo, Químico!
Tenho imensa dificuldade em explicar a versatilidade da palavra “químico”. Em Português, tanto pode ser um adjetivo (algo que é “químico”) ou um substantivo (eu, cientista, que sou “químico”). E depois há os “químicos” que são prejudiciais à saúde e aqueles que são bons e indispensáveis. Pode parecer uma trivialidade semântica, mas conhecer (e saber) química, nunca foi tão essencial como hoje. Diria até que a química é a “cola universal” de toda a matéria. E que poderosa ferramenta é! Vacinas, plásticos, alimentos, materiais, energia, telemóveis… viveríamos sem eles? Talvez não. Mas não é essa a pergunta que quero colocar.
Saberemos nós, usar a química?
Apesar da sua natureza alquímica, transformando a matéria para criações formidáveis, a química pode tornar-se perigosa. Em casa, com a utilização negligente de produtos (químicos) de limpeza com lixívia e amoníaco, podendo causar problemas respiratórios; na agricultura com o uso excessivo de fertilizantes (químicos) que contaminam o solo e a água, prejudicando a natureza e os ecossistemas; e na indústria, com eliminação irresponsável de resíduos (químicos), resultando em poluição ambiental.
Só em 2019, a poluição (química) foi diretamente responsável por mais de dois milhões de mortes. E como se este número não fosse assustador, estima-se que mais de mil milhões de trabalhadores em todo o mundo estejam expostos a “químicos” perigosos no seu local de trabalho, provocando cerca de um milhão de mortes por ano. Bem sabemos que as pessoas não são números, mas esta negligência silenciosa sobre a consequência da exposição a produtos (químicos) ambientais, já excede quase a 10% do produto interno bruto mundial.
Sinto, por isso, que a “democratização da química” está hoje envolta num perigoso desconhecimento. Daí a importância de “explicar a química”. Principalmente àqueles que parecem cada vez mais afastados dela, qual fera mitológica que lhes assusta desde o terceiro ciclo. É que são as crianças e os jovens os grupos mais (quimicamente) vulneráveis. Um terço da população infantil mundial apresenta níveis críticos de chumbo no sangue, podendo provocar deficiências físicas, comportamentais ou cognitivas. E sim, isto acontece no mundo ocidental. Perguntem-se para onde vai todo o plástico que consomem. E pensem quão resistente ele é. Esta maravilha (química), durará anos e anos a ser trabalhada pela natureza, libertando pequenas estruturas (os tais microplásticos) que disseminam na natureza. Por isso eles “aparecem” na nossa água potável e nos refrigerantes que bebemos. A matéria não desaparece, apenas se transforma. E se não a soubermos tratar, estaremos, outra vez, a “desconhecer”.
Um palco, para os jovens.
Com esta necessidade de “dar a conhecer a química” e de criar um futuro livre de práticas imprudentes de produtos químicos e de resíduos, há muito que as Nações Unidas chamaram à atenção deste problema. Pode ter passado despercebido, mas entre as brumas da espuma dos dias, decorreu recentemente em Bona, Alemanha, a Conferência Internacional sobre Gestão de Produtos Químicos (ICCM). Esta é a quinta sessão de uma série de conferências internacionais organizadas pelo programa das Nações Unidas para o Ambiente, para debater a gestão global de produtos químicos. Reuniu uma plataforma de representantes de governos, organizações não governamentais, indústria e outros intervenientes para debater a defesa da saúde humana e do ambiente, através da promoção da boa gestão de produtos químicos.
A principal tarefa da ICCM foi a adoção universal da “Abordagem Estratégica para a Gestão Internacional de Produtos Químicos”, uma regulação legislativa que fornece orientações e recomendações para promover a segurança e gestão química, minimizando os impactos adversos dos produtos “químicos”. Após uma semana de intensas negociações, foi adotada uma nova resolução para a criação de quadros jurídicos nacionais em três pontos-chave: (i) a transição para práticas químicas sustentáveis, (ii) a prevenção do comércio ilegal de produtos químicos e (iii) a eliminação progressiva, até 2035, dos pesticidas altamente perigosos na agricultura.
No entanto, reconheceu-se que esta ambição não poderia ser concretizada sem o compromisso de assegurar um envolvimento significativo dos jovens. Fomentando o seu potencial de liderança e elevando a sua voz na construção de um futuro sustentável, eis que se fazer história: pela primeira vez, uma delegação de jovens representou a sua visão a nível diplomático, tão arredada deste palco político. Jovens químicos tiveram a oportunidade de defender a participação dos jovens e das crianças na elaboração de políticas científicas na ONU, apresentando a “Declaração Global da Juventude sobre Produtos Químicos e Resíduos”.
Nesta reunião, foi também aprovado um instrumento-chave no empoderamento dos jovens para a familiarização da ação química. Na “Declaração de Bona”, os países signatários concordaram em “prevenir a exposição a substâncias químicas nocivas, eliminando progressivamente as mais perigosas e melhorar a gestão segura dessas substâncias químicas”. Com a intervenção da plataforma de jovens aí representada, foi possível aprovar resoluções a favor da “transição para economias circulares, através do desenvolvimento de alternativas sustentáveis” que tenham em vista a proteção da saúde e o ambiente, conduzindo “à reciclagem sem produtos químicos nocivos e à utilização eficiente dos recursos”. E mais relevante ainda, com a adoção do “Quadro Global para os Produtos Químicos”, a poluição química e os seus resíduos foram reconhecidos ao mesmo nível que as crises das alterações climáticas e da perda de natureza e biodiversidade.
E este esforço não será em vão. Mesmo que o “tempo político” não se adeque ao “tempo científico”, este foi o primeiro passo para algo maior. A “Declaração Global da Juventude” exemplifica a forma como as vozes dos jovens podem impulsionar mudanças transformadoras e trazer novas perspetivas para a política. A sua defesa da investigação interdisciplinar, da monitorização de políticas que protejam os grupos vulneráveis contra os riscos ambientais e o combate à desinformação, representam um farol de esperança. Estes jovens líderes, com o espírito de militância democrática, inspiram a ação coletiva para um futuro mais sustentável e justo. É imperativo que continuemos a valorizar e a amplificar os contributos das delegações de jovens pelos canais próprios, reconhecendo que são agentes de mudança para a defesa do bem comum, princípio fundamental do ativismo responsável.
Posso continuar a ter problemas em explicar o que é um “químico”. Mas espero que não tenham dúvidas que os jovens (químicos) são poderosos catalisadores para desencadear a mudança e moldar o futuro da nossa sociedade.
Artigo da autoria de José Ferraz-Caetano