Artigo de Opinião

DIREÇÃO EDITORIAL | Preparados para perder a voz?

Published

on

Candidatei-me ao JUP já no 2º semestre do meu 2º ano da licenciatura. Não conhecia o projeto e esbarrei numa publicação das redes sociais. Não vou entrar em clichês para dizer que conheci pessoas fantásticas e que fiz amigos para a vida, embora também tenha sido assim.

Além do gosto de ter escrito e continuar a escrever para dar voz aos estudantes da academia, percorri caminho na editoria de Educação. Mais tarde, fui convidado para ser editor e, depois, eleito pelos editores do Jornal como Diretor, em conjunto com a Maria Teresa Martins.

Este caminho ajudou-me a conhecer as várias dimensões do Jornal Universitário e influiu de forma determinante no propósito que me leva a escrever o que aqui verto.

Poucos jovens saberão, mas o JUP foi fundado em 1987, num contexto em que a democracia levava pouco mais de 10 anos de vida, no nosso país. Hoje, felizmente, nascemos e vivemos num regime democrático, mas os fundadores do JUP nasceram e viveram em ditadura e aproveitaram a liberdade que se instalava no país para colocar a sua voz, bem alto, diante da sociedade civil.

O JUP já foi impresso mensalmente e fervilhava de espírito revolucionário e associativo. Hoje, com quase 200 colaboradores e uma atividade quase exclusivamente digital, agoniza lentamente. Lamento ter de dizê-lo, mas eu avisei que não ia entrar em clichês. Nem considero que acrescentasse alguma coisa fazê-lo.

A agonia do JUP não me parece um problema de determinada direção, editores ou estratégia errática. O problema parece-me mais geracional, dos tempos e de forma. E assumo o risco de vir a estar errado.

O problema é geracional porque a vantagem de ser jovem hoje tem, necessariamente, as suas desvantagens. Viver em liberdade motiva-nos a descansar sobre ela, sem receio de a perder. Viver sem as dificuldades básicas de que o Estado Social nos livrou, leva-nos ao comodismo. Viver submersos no digital, leva-nos a desvalorizar o conceito de presença efetiva.

O problema está nos tempos, porque as circunstâncias em que foi criado o JUP não são mais as mesmas que justificariam a sua atividade hoje.

O problema está na forma, porque o JUP não é um negócio. E, no capitalismo de vigilância em que vivemos não se vislumbra um grande espaço a uma associação de inspiração académica, sem partido, sem religião, sem investidores, sem interesses económicos, sem contratos, sem salários, sem regalias. O JUP vive da paixão de uma parcela dos estudantes da academia e do interesse dos restantes naquilo que fazem. Mais que isso, o JUP vive da complexa arte de conectar estudantes num mundo cada vez mais individualista através de meios com os quais, atualmente, a maioria não se identifica.

Mas isso não significa que o JUP tenha de passar a ser um negócio, a pagar salários ou a vender baratos os seus propósitos.

O Jornal Universitário do Porto deve honrar a sua história e lembrar-se, todos os dias, que não deve fechar portas pelos mesmos motivos que Jorge Pedro Sousa e os amigos as abriram. Para isso, deve alimentar-se e reinventar-se. A começar por mim e pela Maria, que cometemos os nossos erros e nos prestamos a lamentáveis desleixos, o JUP deve ser uma cadeia de condutas exemplares de entrega à academia, que faz hoje de nós o que seremos no futuro. O JUP deve socorrer-se de editores responsáveis, que pensem mais na sustentabilidade dos mecanismos do que na conveniência que os pode corroer. O JUP deve ser a casa dos estudantes que reconheçam os problemas geracionais, dos tempos e da forma e combatam essas dificuldades com uma predisposição que a restante academia pode não ter, mas que vai e merece beneficiar.

Hoje somos apenas jovens encantados com a vida académica, com a exuberância social, a inocência que achamos que não temos e o amparo das lixas dos nossos pais, que nos pulem os espinhos que o curso natural da vida nos espeta, muitas vezes sem darmos por ela. Amanhã seremos adultos impreparados para a forma vampírica com que a realidade nos espera. Eu gostaria que me tivessem abanado mais cedo, ou com mais força, e me alertassem para isso. É também uma função do JUP fazê-lo.

No final do mês de fevereiro concluiremos uma reestruturação do JUP, pensada e levada a cabo por mim, pela Maria e pelos atuais 19 editores que seguram as pontas ao jornal e aos seus mais de 150 colaboradores, uma boa parte moribundos. Hoje, preparamo-nos para começar a receber as propostas do recrutamento a que se candidataram mais de 400 estudantes e a exportar as ideias que temos no papel. Desejem-nos sorte, porque o nosso sucesso será o sucesso de uma geração que vai, como me disse um entrevistado enquanto eu fazia o que mais gosto, “pela primeira vez na história, viver pior que os seus pais”. Que nos sobre, pelo menos, a voz.

 

Artigo escrito por: Tiago Oliveira

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Exit mobile version