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Opinião

OnlyFans: Uma Perspectiva Psicanalítica da Perversão

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Criadores de conteúdos para plataformas OnlyFans cresce no Brasil.
A América Latina é vista como uma das maiores regiões estratégicas para expansão do negócio, com crescente participação de criadores brasileiros | Imagem: Freepik

Cada vez mais pessoas investem na profissão de criador de conteúdo adulto: famosos, atletas, mulheres e pais solos. Essas pessoas encontram nesse mercado, uma oportunidade de fazer dinheiro. Por que estamos tão obcecados pela nudez do outro?

A noção de perversão sexual é um tema complexo e multifacetado que tem sido objeto de interesse tanto na psicologia geral quanto na psicanálise. No contexto contemporâneo, especialmente com a proliferação de conteúdos adultos em plataformas online, a questão da perversão ganha ainda mais relevância. No entanto, para compreender adequadamente esse conceito, é fundamental recorrer às contribuições de Sigmund Freud, o pai da psicanálise.

Freud explora o conceito de perversão em sua obra seminal “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1905). Ele argumentou que a sexualidade humana é muito mais complexa do que simplesmente uma questão de instintos básicos de reprodução. Em vez disso, Freud propôs que a sexualidade se desenvolve ao longo de várias fases, começando na infância, é moldada por uma interação complexa entre impulsos biológicos e influências sociais.

Dentro desse contexto, Freud descreve as perversões sexuais como desvios do que a sociedade considera o desenvolvimento sexual normal. Para Freud, o termo “perversão” não implicava necessariamente um julgamento moral, mas sim uma divergência do caminho moralmente “padrão” de desenvolvimento sexual. Ele identificou várias formas de perversão, incluindo o fetichismo, o sadomasoquismo e o voyeurismo, entre outros.

Fetiche no OnlyFans?

O fetichismo, de forma vulgar, é caracterizado pelo deslocamento do desejo sexual para objetos inanimados, como roupas íntimas ou sapatos (em sua forma mais simples). A sociedade se apropriou dessa terminologia, criando uma definição mais genérica para justificar os seus desejos e ignorar as reais razões que esse fenômeno sexual tem sobre nós. O capitalismo comercializa o fetiche como um estilo de vida, ignorando todas as suas investidas libidinal e os seus impactos na conduta desse indivíduo. 

O sadomasoquismo, outra definição desse universo, envolve a obtenção de prazer sexual através da submissão ou da dominação, muitas vezes envolvendo violência e dor. Já o voyeurismo, implica na excitação sexual ao observar outras pessoas sem o seu consentimento. Para Freud, essas manifestações são formas de expressão sexual que divergiam do que se considera o desenvolvimento sexual “normal” de nossa sociedade biológica cristã. 

No entanto, é importante notar que Freud também reconheceu a complexidade das perversões sexuais e sua relação com a psique humana. Ele argumentou que muitas dessas perversões têm raízes profundas na infância, resultando de experiências traumáticas, conflitos não resolvidos ou desenvolvimento psicossexual interrompido. Além disso, Freud destacou que a repressão social e cultural da sexualidade pode contribuir para o surgimento de perversões, pois força os indivíduos a buscar formas alternativas de gratificação sexual.

No contexto contemporâneo, as discussões sobre perversão sexual muitas vezes são influenciadas pela psicanálise freudiana, mas também por abordagens mais modernas da psicologia e da sexologia. Enquanto alguns ainda veem as perversões como desvios patológicos do comportamento sexual, outros adotam uma visão mais inclusiva, reconhecendo a diversidade e a complexidade da experiência sexual humana.

Portanto, ao discutir a perversão sexual em relação aos criadores de conteúdos em plataformas para adultos, é essencial reconhecer a riqueza e a variedade das expressões sexuais humanas. Embora algumas práticas possam ser consideradas perversões dentro de certos contextos sociais ou culturais, é crucial abordá-las com sensibilidade e compreensão, evitando o estigma e o julgamento moral. Afinal, pela perspectiva freudiana, tanto criar como consumir esse tipo de conteúdo — ou similar como sites, jogos e afins — já se configura uma perversão pois trata-se de busca pela gratificação sexual de uma repressão moral.  

Perversão Sexual: Criadores de Conteúdo OnlyFans

A revista Forbes Brasil analisou demonstrações financeiras publicadas em outubro de 2024, a Fenix International, empresa-mãe do OnlyFans, revelou que obteve US$ 485 milhões (R$ 2,6 bilhões) em lucros sobre US$ 1,3 bilhão (R$ 7,19 bilhões) em receitas em 2023. Isso representa um aumento em relação aos US$ 404 milhões (R$ 2,2 bilhões) dos US$ 1,1 bilhão (R$ 6,08 bilhões) em 2022. 

Atualmente, a plataforma conta com mais de 305 milhões de usuários globais que, juntos, gastaram um total de US$ 6,6 bilhões (R$ 36,51 bilhões) em assinaturas no ano passado. O custo para se inscrever em um criador de conteúdo no OnlyFans varia entre US$ 4,99 (R$ 27,60) e US$ 49,99 (R$ 276,52) — a taxa do site é 20% desse valor. De acordo com a plataforma de análise Similarweb, a plataforma OnlyFans foi classificado como o 65º site mais popular nos EUA, à frente de Xfinity, Yelp e Spotify (Forbes, 2024).

O OnlyFans é uma plataforma que revolucionou o mercado de conteúdo digital ao permitir que criadores monetizassem diretamente suas produções, especialmente no segmento adulto. A plataforma registrou um crescimento de 29% no número de criadores, atingindo 4,1 milhões globalmente, com uma parte significativa localizada nos EUA.

O continente europeu, junto com outros mercados globais, contribuiu com US$443,2 milhões em receitas no mesmo período. Países como o Reino Unido, onde está a sede da plataforma, têm desempenhado um papel central na geração de conteúdo e receitas.

A América Latina é vista como uma das maiores regiões estratégicas para expansão do negócio, com crescente participação de criadores brasileiros. Durante o Web Summit no Rio de Janeiro, o Brasil foi destaque, e foi apontado que os criadores do país têm se beneficiado do alcance global da plataforma, embora dados específicos de receita local ainda não tenham sido disponibilizados na íntegra. 

OnlyFans como Economia Criativa

Embora esse assunto seja pouco levantado, o mercado de criadores de conteúdo para plataformas como OnlyFans pode ser enquadrado como parte da economia criativa, uma vez que seus criadores utilizam habilidades criativas para produzir e comercializar conteúdos personalizados. 

O sexo e a sexualidade, quando transformados em narrativas e performances personalizadas, podem ser considerados produtos intelectuais. Assim, criadores não vendem apenas imagens ou vídeos, mas também histórias, fetiches e experiências imersivas.

Entretanto, essa inclusão no escopo da economia criativa levanta questões éticas e culturais:

– Inovação e democratização: Plataformas como o OnlyFans permitem que indivíduos controlem sua própria produção e monetização, sem intermediários.

– Riscos e exploração: A ausência de regulamentações adequadas pode levar a abusos, exploração econômica e falta de proteção para os criadores.

Em resumo, o OnlyFans exemplifica como a economia criativa se adapta à digitalização e à personalização, transformando a sexualidade em um produto de consumo sofisticado e comercialmente viável. 

Comercialização Pervertida dos Corpos

Para Baudrillard, na obra Sociedade do Consumo (1991), O corpo assim, reapropriado, torna-se função de objetivos capitalistas: quer dizer, se investe é para o levar a frutificar. O corpo não se reapropria segundo as finalidades autônomas do sujeito, mas de acordo com o princípio normativo do prazer e da rendibilidade hedonista, segundo a coação de instrumentalidade diretamente indexada pelo código e pelas normas da sociedade de produção e de consumo dirigido. 

Por outras palavras: administra-se e regula-se o corpo como património; manipula-se como um dos múltiplos significantes de estatuto social. O corpo torna-se então objeto de um trabalho de investimento (solicitude, obsessão) que, sob o manto do mito de libertação com que se deseja cobri-lo, representa um trabalho ainda mais profundamente alienado que a exploração do corpo na força do trabalho.

O sexo, enquanto ritual biológico de reprodução na maioria das espécies, é uma pulsão instintual animalesca (Freud) que reflete a sobrevivência e continuidade — herança de nossa ignorância intelectual pré-revolução cognitiva. A sexualidade — condição supostamente intrínseca ao Homem e todo o seu sentimentalismo existencial — é uma construção social constituída, principalmente, por normas patriarcais regidas por preceitos religiosos e estruturada pelas fábulas heteronormativas do corpo enquanto propriedade privada do homem macho, no caso.

 

Artigo da autoria de Ícaro Machado