Crónica
UMA DÉCADA SEM SAL
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Sabem? Nesta última década, dei conta de uma gigantesca falta de sal nas relações interpessoais. Já não há discussões fogosas sobre política nos cafés, não há conversas (denotativas – não me refiro aos chats do Messenger ou do Instagram) longas entre os jovens sobre os seus gostos e interesses, não há um dia que me sente à mesa de um restaurante e não veja mães a darem, rapidamente, o telemóvel aos seus filhos (ou filhas, não quero com a utilização do termo masculino estar a fazer qualquer tipo de discriminação de género – militantes do Bloco de Esquerda, não caiam em cima de mim!!) para que estes/estas comam a sopa sem chorarem. Falta sal, pronto. Falta sal e falta paciência!
Chamo a isto “uma das grandes problemáticas da última década”. É facto que temos informação instantânea; falamos com quem quisermos na altura em que quisermos, seja onde for que essa pessoa esteja; fazemos compras online e os produtos simplesmente nos chegam a casa… bem, basicamente, quase não nos temos de levantar do sofá para nada. Mais um bocadinho, e até as aulas passam a ser todas lecionadas por Skype (se bem que este já anda a cair em desuso).
E nesta correria toda, entre chats e emails, e cibernotícias, e jogos online, e séries na Netflix, e vídeos no YouTube; a malta perde-se. Perdemo-nos. Onde está o tempo disponível para os abraços, para as conversas ao almoço e ao jantar, ou mesmo para nos conhecermos intrinsecamente? Metade de nós já nem sabe se é vegetariano porque o quer ser, ou se é vegetariano porque x instagrammer também o é.
Já não se tiram fotografias para se registarem momentos especiais; tiram-se fotografias com a máxima intenção de essas serem publicadas nas redes sociais. E atenção! Não se fica por aí… estas obras de arte são tiradas com um extremo cuidado no que toca ao ângulo de captura – não vá qualquer tipo de gordura ou falta de formosura ficar à vista! Já criámos toda uma realidade paralela à volta da imagem, na Internet. E se nos perguntarem por que é que isso é tão importante – mostrarmos algo que não somos ao “nosso público” – poucos são aqueles que sabem responder.
E culpamos quem? As novas tecnologias, que viciam e são uma pressão social? Ou culpamo-nos a nós que não sabemos fazer um bom uso delas? Fica a questão.
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