Artigo de Opinião
Wes Anderson aproveita pódio para um dos melhores filmes de 2021
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Antes do definhar absoluto de 2021, The French Dispatch por Wes Anderson, ocupou no passado mês de novembro o pódio para um dos melhores filmes do ano. Neste seu novo filme acompanhamos o encerramento de um jornal e, por consequência, os quatro últimos artigos para publicação.
De parecenças editoriais idênticas ao The New Yorker, acompanhamos a estória de um génio pintor em ascensão, a de um universitário que virou símbolo de um movimento revolucionário estudantil e por último (e por muito estranho que possa parecer), um rapto que envolve elementos gastronómicos. No meio destas crónicas, existe ainda um prólogo e um epílogo que nos sussurram um pouco o que é o quotidiano daquela redação, e a realização de um obituário para o já falecido editor, pelas mãos dos jornalistas que lá trabalham. The French Dispatch é, assim, uma sublime e simples ode – uma carta de amor – ao mundo jornalístico e às suas mil e uma metamorfoses, bem como a do imaginário daquele que outrora fora o verdadeiro jornalismo.
Bauman, um dos filósofos da nossa contemporaneidade, afirmou em vida que vivemos numa sociedade líquida, tal como a água, em que tudo muda rapidamente. Tudo é efémero e passageiro, sejam as matérias físicas, relações ou a mera interação humana. Por sua vez, o realizador de The French Dispatch relembra-nos, neste que é o seu recente e bem-sucedido filme, que nem o jornalismo escapou a essa intitulada realidade líquida que o filósofo polaco Bauman nos alertava. Este jornalismo que hoje em dia se faz, este que é um jornalismo para obesos e sedentos do fast journalism, não é, felizmente, o jornalismo retratado pela lente de Anderson.
Não é por acaso que o estilo cinematográfico de Wes é mundialmente reconhecido no mundo da sétima arte. Seja por ironia do destino ou talvez por mera casualidade, o realizador, com formação académica também filosófica, introduz-nos intrinsecamente realidades perdidas do mundo em que hoje vivemos. A típica simetria do percorrer dos movimentos da câmara, as composições dos planos geométricos e as cores hiper-realistas, sejam elas a preto e branco ou vívidas, dão ainda mais vida ao filme. A direção de arte foi primordial neste filme, uma vez que o público fica com a estranha – mas boa – sensação de estar a ver um daqueles típicos filmes de Jaques Tati.
E confesso, adorei a introdução aos elementos animados no clímax das várias narrativas. Acredito que para muitos possa ser algo estranho, mas acaba por ser uma muleta que o realizador introduz no filme, talvez por praticidade na realização das cenas retratadas e para quebrar uma possível monotonia que o público possa estar a sentir, ou simplesmente porque sim e apesar de já consagrado, o realizador continua a querer reinventar-se.
Pode parecer um tanto estranho ou até duvidoso, mas a escolha deste filme para o melhor de 2021 não passa apenas pela atração do realizador ao não comercial, o típico estilo redondo a que Hollywood tanto nos habituou, mas sim pela estória em si – pela oferta de quatro filmes, em paralelo, todos relativos à estória principal. Não está ao alcance de todos fazer algo desta dimensão, com este despreocupado humor. Um detalhe divertido sobre esta obra cinematográfica, foi o facto de Wes ter a genialidade de desenvolver para cada crónica o número de páginas equivalente ao tempo em cena. Simplificando, quantas mais páginas tinha a crónica, mais tempo esta demorava para se desenvolver no filme.
Quanto às atuações, o destaque vai sem dúvida para a Jeffrey Wright e para a química entre Timothée Chalamet – este que esteve excelente como sempre – com a atriz Frances McDormand. Outro duo invulgar, mas que funcionou surpreendentemente, foi a dupla de atores Léa Seydoux e o ator Benicio del Toro. Por fim e apesar de curto tempo em cena, um especial agrado para Elisabeth Moss e o já habitual Tony Revolori.
Voltando ao jornalismo que é retratado neste filme, é triste o facto de o mesmo não mais existir nesta líquida realidade. Este que era um jornalismo dedicado às pessoas, às suas personalidades e aos lugares que as mesmas habitam. Infelizmente, como avalia o sociólogo francês Pierre Bourdiu numa das suas teorizações, os jornalistas e por sua consequência, o jornalismo, estão agora e mais do que nunca ensopados numa “autonomia frágil”. Dependentes de esferas sociais como a da política do país onde se encontram inseridos, a esfera económica e por fim a esfera societal- onde estão inseridos aqueles que apelido de forma irónica como “os obesos sedentos do fast Journalism”, aqueles para os quais o jornalismo atual trabalha, escrevendo de forma frenética 10 ou mais artigos em simultâneo por dia, para saciar assim estas peculiares criaturas.
Possa um dia a sociedade, após uma rotura ou por manifesto jornalístico, chegar ao que hoje não é apreciado e prestigiado pela maioria. Aquele jornalismo que leva tempo, em que os jornalistas desenvolvem as suas peças jornalísticas, com isso podendo dar uma maior atenção a uma história e, a partir daí contar tudo com o maior e ínfimo dos detalhes, quase que de forma pitoresca como nos fora retratado nesta obra de Wes Anderson.
Artigo da autoria de Diogo de Sousa
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