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Crónica

SABEM O QUE NÃO HÁ NO MONTE?

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Gaivotas. Esse animal manhoso, calculista, aproveitador. Essa “ave de rapina” desumana e presunçosa. Esse filho de um diabo que te espreita pelo canto do olho, que te olha literalmente de lado, que te corteja de mansinho e na primeira oportunidade tenta roubar o pão com Tulicreme que levas na mão. Um castrador de liberdade, um assalto à mão armada.

A primeira impressão que tive do Porto, depois de mil e uma opiniões, foi a de uma cidade cultural, movimentada e capaz de satisfazer o meu desejo de independência. Sabes o que não é independência? Ligar para a mãe, no primeiro dia de estadia na cidade, escondido num canto a pedir informações sobre como enxotar uma gaivota sem sofrer um ataque (parece parvo? Eu sei, mas quem lida com galos sabe lidar com uma espécie mais evoluída deste reino animal).

Estava a ganhar coragem quando o animal decidiu esvoaçar para longe, o que não acontece sempre. Dizem que são como os cães, no sentido popular da assunção, pois são capazes de cheirar o medo. Eu cá só acho que sentem o cheiro da comida que levas na lancheira, porque, no final de contas, são animais. Podem não rebolar, nem mesmo deixar que os afaguem, mas pode ser que encontres a antena do carro partida, uns quantos riscos no capot ou um “presente” bem no centro do espelho retrovisor.

Não te lambem, não ronronam às tuas pernas, nem tão pouco repetem o que ouvem, só servem para agoirar a vida que, forçosamente, precisas de continuar a viver. Seja através do guincho ou do confronto, a adrenalina ativa o modo sobrevivência. Leia-se dupla sobrevivência que, primitivamente, se divide entre o não ser caço e/ou tentar não partir um pé no correr desenfreado. Concretamente, significa descer a escada de 3 em 3 lances antes da gaivota chegar ao fim do corrimão; levar o lixo a um contentor mais distante quando aquele é agora a sala de jantar de uma família de 4 a 6 pássaros com o rabo empinado a deitar lixo para tudo quanto é sítio; não sacudir o tapete à janela com medo que confundam com comida. De facto, são dezenas e dezenas de situações em que só rezas para que não haja nenhum obstáculo no meio do caminho, caso precises de fugir.

No pior dos casos, se a gaivota te ataca, proteje a cara e entrega tudo, prefere viver envergonhado que ser vencido e humilhado publicamente numa luta.

Ingénuo, pensei que fosse uma coisa de época e que brevemente voltariam para a praia, para desfrutar da areia e furtar os banhistas. Dei-me conta, dias depois, que andam por todo o lado! Por cima da tua cabeça inclusive, e aí já se fala de um outro problema – escolher bem o momento para sair à rua, já que a multidão desperta-lhes um “especial” trânsito intestinal (aprendi da pior maneira ao não entender o porquê de haver gente a correr).

Por estas e outras razões, não consigo entender a afabilidade com que algumas pessoas as tratam. Por exemplo, a minha vizinha alimenta uma e, quando se dá conta, tem um bando de dez gaivotas a voar na direção dela. Já o senhor do lixo anda “armado” e, de vez em quando, vê-se a senhora das limpezas a gesticular com a vassoura nas mãos.

Se não te convenci, fica a dica. Nunca deixes um par de ténis na beirada da janela.

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1 Comment

1 Comment

  1. Catarina

    24/02/2016 at 00:24

    Eu sei que é triste, mas há uns tempos, na entrada da minha faculdade, uma gaivota voou na direção de uma colega minha para lhe roubar um bolo e foi muito engraçado. Ri-me bastante. Demasiado, até. A minha colega conseguiu fugir. Foi uma pena, estava a gostar do show.

    Bom artigo! Muito bem escrito 🙂

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