Crónica

PERMITAM-ME NÃO FALAR SOBRE A ATUALIDADE

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Se hoje a atualidade tivesse um nome, chamar-se-ia “Mais do mesmo”. Mais do mesmo do que nos disseram na semana passada, mais do mesmo do que fizeram antes, mais do mesmo todos os dias. Quem me dera que nos mentissem e nos dissessem que hoje o céu era laranja. Pelo menos, era original.

Permitam-me não falar sobre a atualidade, porque a atualidade é repetida a cada segundo, sempre a mesma coisa, sempre da mesma forma. A cada segundo vemos a atualidade nos jornais, na televisão, na rádio, no facebook, no twitter, no smartphone. Enjoamos da atualidade. Olhamos para o lado e lá está ela. Permitam-me não falar sobre a atualidade, porque estou cansada dela.

Sim, a atualidade cansa-me e cansa-nos. Não é desinteresse, é cansaço. Mas não é só isso que faz.

A atualidade faz com que, às vezes, as pessoas desistam da política, porque as campanhas políticas, os orçamentos, os ataques pessoais, as discussões sem resultados, as provocações e o “diz que disse” já não trazem nada de novo, na maioria das vezes.

A atualidade envergonha-nos, porque os que mandam no velho continente esqueceram-se que a vida humana vale mais do que o resto. Porque a sociedade esqueceu o que é a solidariedade e que esta nunca está a mais e nunca é dispensável.  Porque é pouca a compreensão, o respeito e a compaixão que existem para um mundo tão grande.

A atualidade irrita-nos, faz-nos perder as estribeiras quando não aguentamos ouvir mais aquele discurso. Muitas revoluções quase começaram à mesa de jantar.

A atualidade anestesia-nos, porque nos dá a mesma receita mil vezes seguidas e nos põe num sofá a olhar para uma caixa mágica, à espera que alguma coisa seja diferente. Por fim, muitos perdem a pujança para a mudar (à atualidade), resignam-se e um “não vale a pena” ecoa numa conversa.

Finalmente, a atualidade não nos surpreende, porque “É preciso ser duas vezes mais pobre para se ter bolsa de estudo” e porque, por muito triste que pareça, a atualidade é muito velha. Uma velha que não se vai levantar da cama enquanto ninguém a ajudar e que vai continuar a sujar-se a si própria enquanto ninguém a for limpar. A pior parte é que todos fazemos parte da atualidade, por isso, atrevo-me a dizer que nos transformamos em velhos birrentos que precisavam rapidamente do milagre da fonte da juventude.

Por isso, permitam-me não falar da atualidade, falando dela e desprezando-a enquanto o faço.

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