Crónica
VAI VELOZ PARA UM SÍTIO; E QUE NÃO TENHAS TEMPO PARA RECLAMAR
“Vai veloz para um sítio; e que não tenhas tempo para recuar”, conselho que abusivamente peço emprestado a Gonçalo M. Tavares e que se pode aplicar ao modo como o Estado Português tem deportado cabo-verdianos nos últimos anos. Contudo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não é uma agência de viagens especialmente interessada na descoberta espiritual da comunidade de origem cabo-verdiana residente no nosso país. Por isso, o conselho retirado de Uma Viagem à Índia é insuficiente para caracterizar o modo de ação anti-humano que as autoridades têm praticado.
De facto, o SEF parece mais empenhado numa “depuração” social, com estranhas semelhanças às medidas que alguns países europeus (nomeadamente a Suécia) defendem relativamente à crise dos refugiados sírios, do que com uma solução digna para todos aqueles que foram e serão deportados para Cabo Verde. Refiro-me, na maior parte dos casos, a pessoas que não têm documentos ou que cometeram pequenos delitos, e que vivem em Portugal há vários anos, algumas tendo mesmo nascido no nosso país. São pessoas com uma forte ligação a Portugal, com raízes familiares e já inseridos numa comunidade, que são forçadas a ir para Cabo Verde, levando com elas pouco mais do que a roupa que têm no corpo.
Há casos absurdos como o de um homem que foi deportado imediatamente após ter tido alta de um hospital psiquiátrico, chegando ao aeroporto da ilha de Santiago com a pulseira do internamento ainda no pulso; um homem forçado a deixar a mãe idosa, que necessita de cuidados médicos e de acompanhamento, em Portugal; um homem enviado para a ilha de São Vicente, sendo natural da ilha de Santiago; e, mais do que uma vez, pessoas que são deportadas e que não têm possibilidade de recorrer judicialmente da decisão, porque, quando os seus advogados têm conhecimento desta, já eles se encontram no avião à espera de aterrar em Cabo Verde.
São situações desumanas e que merecem especial atenção da nossa sociedade. Falamos aqui de pessoas, não de números ou de pedras. As pessoas merecem que as suas vidas sejam decididas com um mínimo de sensibilidade, e não por um SEF que não tem problemas em aconselhar: vai veloz para um sítio; e que não tenhas tempo para reclamar.
Susana Alexandre
3 Mar 2016 at 11:45
Concordo em pleno.
E existe uma responsabilidade social, de nós todos. Não podemos expulsar pessoas que nasceram cá, há mais de 30 anos, que jogaram à sirumba, ao Uno, ao Stop, tão portugueses como eu, mas como os pais negligenciaram a documentação, afinal são cabo-verdianos! Mesmo nunca lá tendo posto os pés… Há que haver um equilíbrio, até porque nem todos os cadastrados são psicopatas desvairados, certo? Estão a fazer uma purga, e pela calada da noite, muitas vezes. Para mim, vergonhoso.