Crónica
SE OUVIRMOS A MESMA MÚSICA É PURA COINCIDÊNCIA
Nota: Sugiro que o texto que se segue seja acompanhado da música “Moonchild” dos Fat Segal. Podem não aceder à minha sugestão, mas o certo é que crepes sem nutella não têm tanta piada.
Acho que se queremos conhecer bem uma pessoa, devemos começar por explorar estoicamente cada recanto da sua playlist. Normalmente, estão aí guardados todos os segredos: os amores falhados, as pequenas vitórias, os dias de sol e de trovoada, as discussões frenéticas, os desvios a caminho de casa, os olhares trocados, os pedacinhos de viagens,…
Podem pensar que não funciona com toda a gente, mas a verdade é que nem um coração aparentemente inóspito e ventoso resiste a alguém que chora e ocupa as manhãs solitárias de ressaca a ouvir a mesma música.
De forma tão íntima e tão própria, a música acaba por se tornar a oração dos dias bons e maus. E quando alguém partilha a mesma oração que nós e tem fé na mesma canção, então é quase certo de que será parte da nossa irmandade.
(Não notam que até as madrugadas tristes se tornam quase cinemáticas quando acompanhadas pela música certa? E que a dor normalmente expande de tal forma que depois acaba por desinchar na mesma proporção?)
É engraçado como mais do que o gosto literário, ou o gosto culinário, ou qualquer outro tipo de preferência, a música é uma forma de conexão. Aqui entre nós, talvez seja porque cada música partilhada é uma recordação confessa. Em rock ou em jazz. Em grito ou suspiro. Em sol bemol ou sustenido. Basta entregar metade daquele parzinho amoroso que está sempre enroscado (para quem não entendeu, os fones) e não há volta a dar. Diário aberto. Alma absolutamente despida. Já somos amigos.
Apêndice: Aqui vai uma lista de músicas que guardam grande parte dos meus estilhaços e sorrisos. É uma compilação de sons extremamente melódicos, maioritariamente independentes. Apesar de não agradarem a massas, são o que há de mais importante na minha playlist.
- Mumford and Sons, “Liar”
- Ben Howard, “Black Flies”
- James Vincent Mcmorrow, “We Don’t Eat”
- Daughter, “Medicine”
- Bon Iver, “Wash”
- Family of the Year, “Hero”
- Matchbox Twenty, “I Will”
- Matt Corby, “Brother”
- Coldplay, “See you Soon”
- Angus & Julia Stone, “Yellow Brick Road”
- This is the Kit, “Bashed Out”
- Alt-J, “Breezeblocks”
paulo
02/03/2016 at 12:40
***** Há muita musicalidade e muita intimidade no texto. Será “musicamidade” minha ou o texto está mesmo em Sol sustenido aumentado sétima com ligeiras variações em Lua menor? (Não há o acorde de Lua menor? Ora bolas, invente-se!)*****
Luisa Miranda
03/03/2016 at 13:29
Esta crónica da Inês Correia é realmente muito boa.
Todas as pessoas e eu falo por mim tive várias musicas que marcaram bons momentos da minha vida e quando eu me queria lembrar desse momento bastava associá-lo á musica e num clique bastava ouvi-la e revivia aquele momento como se estivesse lá.
E as paixões quantas vezes púnhamos a mesma música a tocar e chorávamos como o mundo tivesse acabado.
Enfim a música é mesmo assim serve para todos os males, por vezes é melhor ouvir musica que ir ao médico.