Crónica

A VERDADE ANIMAL

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Somos os tão aclamados animais racionais. Agimos, pensamos, premeditamos, raciocinamos. No entanto, continuamos a deter tantas lacunas. Insistimos no erro. Insistimos na falha crassa com o outro e com nós próprios. Chegamos a perder o respeito pelo que somos. Sim, o ser humano é tão vulnerável quanto o ser irracional, sem essa ideia transparecer à partida. A nossa necessidade acaba por nos poluir quando transpõe a tolerância e o controlo que teoricamente se evidenciam.

O animal irracional, por sua vez, possui os seus mecanismos e comportamentos involuntários. Há um padrão fixo dentro do qual o mesmo se desenvolve. Pouco há mais por onde pegar. No entanto, é o mesmo que surpreende por seguir fiel à sua essência. É algo que nos continua a espantar. Como é capaz o animal de se dar a tamanha linha de conduta, uma linha que tem tanto de reta como de encantadora. Deparamo-nos com ocasiões em que ficamos embevecidos a observar a pura natureza e subtileza de um. Eis que no chapinar de uma baleia se ergue uma imensa plateia.

Percecione-se a relação do bichinho de estimação com o seu dono. Estimação implica carinho, lealdade, atenção, preocupação. O emergente tipo de dono cada vez vê mais o pequeno como um membro da família. Nos bons momentos, partilha da felicidade e acaba recompensado por conseguir exprimir a alegria que emana no tão doce lar. Nos maus momentos, não hesita em procurar o dono e, fugindo aos preceitos biológicos e científicos, em consolá-lo, em apoiá-lo. A sua presença, não obstante fisicamente pequena, amplia-se de uma forma inesperada. Enquanto o humano endoidece, o animal prevalece. Lá está o garoto a procurar que o dono se reerga e que deixe de se ausentar do estado da sua tão harmoniosa e valiosa existência.

Temos muito a aprender com ele. O facto de ser irracional acaba por o beneficiar. Não se intriga com questões nem com ilusões. Deixa-se ser. Deixa-se ir. No entanto, acabamos por desconfiar da valia do seu coração. Será está mais pequena que a nossa? Será que o seu poder não se fará equivaler ao de um comum civil? Acabamos por nos surpreender quando o animal solicita o carinho com o qual se sente bem-vindo à nossa vida. Nem damos conta da força anímica que transporta para as nossas vidas. Com ele, vislumbramos o mais bonito do nosso íntimo. Somos incentivados a dar o melhor de nós, retribuindo o gesto simbólico e nutritivo da sua ilustre comparência e permanência. Tornamo-nos melhores seres humanos. Estamos impelidos a fazer mais e melhor.

É na verdade e na autenticidade da reação animal que se reflete a pureza da Natureza. É um luxo privar com eles, é um privilégio termos a sua convivência. Muitos os estudaram, muitos os dissecaram, muitos os maltrataram mas poucos tentaram compreender e com eles viver. Domesticação é um substantivo demasiado forte para retratar a relação estabelecida e que se vem consolidando entre o homem e o animal. O termo “amizade” começa a tomar as rédeas norteadoras de algo tão profundo, sentimental e estreito. É com o amor que me é por eles transmitido que contacto com eles. Basta um sorriso e uma carícia durante a troca de olhares para que nos sintamos mais livres, espontâneos e bondosos. O poder da verdade do animal remete-nos para o nosso essencial: a capacidade de amar e de com o coração triunfar.

 

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