Crónica
NÃO
«Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre.»
Simone de Beauvoir
O empirismo ensinou-me, entre outras premissas, que o Homem é um ser de atribuição de culpas a outrem. Quando um crime é cometido gera uma procura de explicações possíveis para o sucedido e a posterior possível desculpabilização do criminoso é uma das vias pelas quais não raro se envereda.
Não há muito tempo assistimos a um macabro retrato de uma violação de uma jovem brasileira por parte de dezenas de homens. Não demorou muito até surgirem várias teorias que desculpabilizem o criminoso e à vítima atribuíssem parte da culpa. Algumas dessas teorias chegam a ser tão transcendentalmente ignorantes que merecem uma abordagem para que sejam erradicadas das mentes pequenas que habitam este mundo.
Culpabilizam as vítimas de confundirem violência com amor, quando aceitaram as palavras mais assertivas e duras dos seus pais como demonstração de afeto e de reprimendas para uma melhor educação. Culpabilizam também as vítimas por «imitarem» as suas mães com roupas mais femininas, um decote e maquilhagem que as façam sentir bem consigo mesmas e «incentivam» (termo utilizado pelas mesmas ditas mentes pequenas) a violação. Deixemo-nos de ilusões e mesquinhez que a realidade é apenas uma: não significa não.
Tomamo-nos como Homens, animais pensantes, capazes de grandiosos feitos, mas o que é certo é que, diga-se «não» a um cão, este, não sendo um ser pensante, sabe que está perante uma negação, uma ausência de consentimento, um impedimento de um ato. Se um animal dito irracional é capaz de compreender na sua essência que «não» é uma ausência de consentimento para a prática do ato para o qual tinha intenção, o Homem, sendo ser pensante, é, não só capaz de entender que não significa não, mas também será capaz de compreender o brutal atentado à liberdade pessoal que este ato perpetua.