Crónica
CRÓNICA DE UMA ADEPTA DE 1,61M
Nunca fiz ballet, mas fazer pontas foi uma constante no jogo entre Portugal e a Polónia. 1,61m, diz o cartão de cidadão, mas sempre pairou a suspeita de um erro aquando da medição. Mas nada de rancores ou lamentos, é garantia de ficar à frente nas fotografias de grupos.
Se Portugal joga e há um ecrã gigante algures na cidade é certo que as pessoas se juntam. Aparecem os cachecóis, as bandeiras, as riscas na cara, as camisolas, as cervejas na mão. Levantam-se todos para cantar o hino e ecoam todas as vozes o mais alto que conseguirem. A afinação não interessa para o caso. Quem vê estes jogos uma vez na rua, nunca mais quer o conforto do sofá quando joga a seleção.
Para quem é baixo, ou se senta para ver o jogo ou tem a sorte de encontrar um bom lugar em pé ou fica em casa ou faz toda uma maratona de desvios entre as várias cabeças que tem à frente durante os 90 minutos (+ prolongamento e possivelmente + penáltis).
Bem, a opção escolhida foi a mais desafiante e mais memorável também. Porque todas as pessoas baixas que algum dia apanharam um lugar menos bom em pé se vão lembrar daquele penálti que tiveram de ir ver na gravação da box quando chegaram a casa.
A melhor parte é quando percebemos que quem nos está a tapar a vista para o relvado não está a prestar a mínima atenção ao que está a acontecer e está antes à caça de moscas imaginárias que andam pelo ar. Surgem sempre aquelas tentativas de fundo: “quietinho”, “esse chapéu vai voar”, “senta-te pá”, mas claro que sempre bem decoradas com a gíria de insultos e palavrões que ninguém consegue evitar quando está a ver futebol num ambiente assim.
Precauções a tomar em momentos de festejo de golos quando se é baixo e as pessoas que estão à tua volta a ver o jogo são todas mais altas: não tens hipótese, vais ser um bocadinho esmagado. Tens sempre a opção de procurares ajuda em quem partilha o teu fado de altura e, como tu, não se consegue mexer nestas ocasiões durante uns segundos. Ah, mas o 1,61m não te impede de saltar, de gritar, de rodar o cachecol no ar, de festejar com quem está contigo. Só ficas pelo andar intermédio entre o chão e o resto da multidão que te cobre, que eventualmente se volta a organizar numa questão de segundos.
Se Portugal joga e há um ecrã gigante algures na cidade é certo que as pessoas se juntam. E os adeptos com 1,61m vão continuar a ver os jogos de pé com os outros adeptos, porque não se importam com serem um bocadinho esmagados, com as dores nas pernas, nem com os apertos no coração quando quase nem conseguem olhar para o jogo. Porque ficar em casa já não dá.
Quando era pequena até quis experimentar ballet.