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Crónica

O BOM PORTUGUÊS

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(Consideração prévia: não sou um patriota como os restantes e apregoados 11 milhões. Sou sim um simples ser do mundo que escrutina aqui o valor do que é e de quem é português).

Rescaldo de um Europeu efervescente. O povo saiu à rua durante quatro semanas de futebol repleto de nações munidas das suas superestrelas. Vinte e quatro países europeus deram por si em França a disputar a proeza de se considerar campeão europeu. No final, o anfitrião e o convidado discriminado. Fazendo valer a força de caráter da sua identidade e a história que a conta, prevaleceram os vinte e três lusos em terras gaulesas. Horas antes, e a nordeste, foram três as atletas que correram rumo à glória, envergando o verde e o vermelho da bandeira. O orgulho regressou, o ego aumentou e o português voltou à rota de conquista. Porém, não é de agora.

O português é um conquistador por natureza. Está-lhe na génese. Desde muito cedo, em tempos de Condado, quis ser mais do que um mero cantão. Quis marcar presença, quis gritar a plenos e cheios pulmões, quis guerrear por algo mais. 1143 trouxe a resposta. Nasceu Portugal, nação com berço em Guimarães e com extensão pela restante costa atlântica da península. A quezília com Castela nunca adormeceu. A galinha da vizinha nunca se viu imune a uma comparação constante. As intromissões e as brigas não foram poucas em número. Até chegaram a apropriar-se do que um dia foi de Viriato, este que vendeu cara a derrota aos romanos muito antes de existir Condado. No final de contas, e entre irónicas pretensões francesas e outras frustradas com origem muçulmana, Portugal resistiu. Como sempre.

Nessa constante resistência, fez obra. Monumentos imponentes, desde o românico ao gótico, criando até o seu manuelino e não esquecendo questões Coimbrãs e concílios entre deuses. Pseudónimos, heterónimos, sonetos, sermões, memoriais. Tudo com a raiz latinizada que os romanos outrora deixaram por aí, assim como aquedutos, vias, pontes e artefactos. Portugal viu-se feito disto. Chegou também a ter um império que englobou terras africanas, asiáticas e americanas, lugares esses desconhecidos, mas não negados à ambição e ao sonho de um sem número de valentes que se lançaram no rumo dos oceanos. A estes valentes chamaram navegadores. A também estes prestaram múltiplas homenagens em ruas, casas, palácios e museus. Instrumentos com histórias de tantas e tão proveitosas glórias. Descobriu-se mundo, descobriu-se vida, descobriu-se. Portugal foi isto e mais.

Gente de saber e de garra. Gente com vontade de conhecer, com vontade de mudar o seu país para melhor. As luzes acenderam-se em tempos iluministas. Nunca alheios à realidade externa, abriam as vistas para o que lá fora se fazia. As mentes nunca se tinham fechado muito, à exceção do medievalismo que se viu perpetuar a partir da intransigência clerical e do absolutismo radical e déspota. No fundo, gente humilde mas com tanto sonho. Não obstante o pequeno cantão com o qual os lusos ficaram, não foi impeditivo para que se singrasse por terras estrangeiras.

Apesar de tempos ditatoriais e opressivos, Portugal não se rendeu. Segurou-se durante quase meio século e deu a volta por cima. Entregou a autonomia a quem esta era devida e traçou o seu caminho na unidade e sem constrangimentos de identidade. Foi nesta abertura e nesta amplitude que pôde exibir todo o seu potencial. Reconhecer o seu valor, louvar as figuras do passado e criar oportunidades para as do presente serem futuro bem considerado. A medicina e a literatura viram-se premidas com o Nobel, enquanto a arquitetura não ficou despojada de Pritzkers. A geografia, embora curta em dimensão, cresceu em contemplação e denotação. Do Norte ao Sul, do litoral ao interior e sem nunca descartar as suas regiões autónomas. As gentes fizeram valer, para além do seu inato talento, valores que acompanharam as figuras de combate e de triunfo no final das contas. O Infante. O Condestável. O Mestre de Avis. A Padeira. Valores como a perseverança, a ambição, a tenacidade, o vigor, o caráter, a capacidade de sacrifício e de sonho com direção e convicção. Deus quis, o homem sonhou e a obra nasceu. O que se conquistou ontem, o que se arrecadou hoje e o que se arrebatará amanhã faz parte da profecia daquele pequeno, mas ousado canto do continente europeu. O bom português é lutador, sofredor, mas um digno vencedor. O bom português volta às origens e é consolidado conquistador.

Isto não é uma declaração de amor mas de admiração. Pelo que um país, inspirado nos seus pergaminhos, pode alcançar na impulsão de uma vívida emoção. Podia ser outro, mas é Portugal. Ao bom português a devida e merecida vénia.

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