Crónica
A DESFLORESTAÇÃO DE TODOS NÓS
Por cada árvore que arde, uma parte de nós inflama também. Queima até ao seu tutano. Por cada árvore que se corta, um segmento de nós é guilhotinado. A rudeza da racionalidade expressa-se de pulmões cheios, mas duvida-se se estes se preenchem de oxigénio.
Os típicos incêndios vindos nesta sazonalidade. As temperaturas disparam e atingem números íngremes. Desconhece-se qual o referencial que se estica mais. Será o número do clima ou a altitude da labareda? O que apoquenta mais? Aquilo que está ditado na lei da natureza ou aquilo que se esvai por eventual negligência?
O ar torna-se abafado, irrespirável. Lamenta-se o genocídio que se prolifera pelas árvores. Sábias e puras nas suas raízes, experientes e firmes nos seus troncos, faustosas e pomposas nas suas copas. No solo onde se afirma, eis um rasgo de fogo. Uma daquelas invenções primitivas que tanta utilidade deu mas com a qual tantos brincaram. A consideração nunca foi totalmente assimilada.
Dá-se um espetáculo de dor, de um tão amargo dissabor. As espécies que consigo convivem fogem na tentativa de se salvaguardarem. Cresce uma intensa nuvem. Não daquelas compostas pela evaporação no tal ciclo hídrico. No seu contraste, a nuvem preenche-se. Arrasta-se pelos céus onde povoava o tom azulado das águas. Na desgraça de uns, em outros cai em sua graça.
Perante a catástrofe, importa registar. Recordar uma beleza proibida e desenvolvida a partir da dor alheia. A fotografia para salutar tal momento. Já se torna recorrente, algo de tão natural essa coisa dos incêndios. Nessa familiaridade, como se do regresso do familiar emigrante se tratasse, tudo se entronca na história de mais um verão, estação de tanto flagelo.
As florestas perdem-se. Na essência, perde-se o caminho de todos os seres. O oxigénio, o nutriente, o mineral, a fibra. Todos sucumbem no engodo da névoa obscura. As responsabilidades acompanham as cinzas, reduzindo-se a esses escombros. Eis o erro, o lapso que não se descansa até que desvaneça da memória e da questão do mais crítico sujeito. A impunidade não serve diante da destruição de todos nós.
Acumulam-se as chamas, pouco comparáveis em dimensão às dos nossos dias maus. Deteriora-se o mundo e o seu futuro. Danos irreversíveis, dependentes somente da atuação humana. Da sua coragem e valentia perante a imponência dantesca das labaredas.
Pede-se consciência. Ativa e desperta, alheia à moleza da expressão solar. O património natural é parte integrante de todos, mesmo não sendo nosso. É-nos emprestado. Como tal, é exigido que se trate com o carinho e com o zelo adequados. Tudo isto para que ninguém saia beliscado num presente tão acalorado.