Crónica

O MAR DOS MEUS OLHOS

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Quando hoje me sento na secretária de sempre, rabiscando algumas linhas para a crónica de setembro, irradiam na janela diante mim os últimos raios de sol deste verão. Não é esta de todo a minha estação do ano favorita, talvez devido ao acaso de me relembrar da minha mortalidade pela altura do meu aniversário, nos meados dos seus dias quentes, contudo aprecio os pequenos prazeres destes dias serenos de sol. Belas tardes de leitura e convívio nos Jardins das Virtudes, as noites à varanda com música a ecoar pela casa, os dias passados na praia adorando religiosamente a existência de tal beleza que é o mar e a sua imensidão que vai além do horizonte.

Decerto todos ainda temos em mente o caso do burkini numa praia francesa. Pois bem. Este Verão fiz-me acompanhar da obra «Aparição» de Vergílio Ferreira, velhos conhecidos em dias de praia e adoração ao mar. As manhãs de praia começam com um ritual já antigo: estender a toalha, contemplar a beleza do mar, a felicidade da gente que ali está já bem cedo pela manhã, e banhar-me no riso das crianças, alheias ao frio matinal que ainda se faz sentir, entregando-me à leitura de seguida. Se há belíssimos prazeres a desfrutar nas praias portuguesas, um deles é o de ser-se Mulher e poder sê-lo independentemente daquilo que se veste, sem ver a sua liberdade violada. Contemplemos pois quantas mulheres são essência nos areais independentemente dos seus bikinis, burkinis ou roupas casuais com as quais se sentem confortáveis. Contemplemos pois esta vénia à liberdade.

Há que finalmente traçar e sublinhar um limite em que o homem não mais dita quanta pele a mulher pode ou não mostrar. Cada mulher é ser e substância responsável do seu corpo em si mesma, autêntica e única. É ainda uma utopia o dia em que a mulher poderá andar pelas ruas sem ser apedrejada de preconceitos. A mulher é unicamente um ser que exige e merece igual respeito pela sua liberdade. Triste é, ainda, a evidência de que o homem se encontra de um lado da corda e a mulher de outro, puxando cada um para seu lado, e o equilíbrio é uma ilusão. Só teremos verdadeira equidade quando a mulher deixar de ser vista como mero objeto sexual e de reprodução e passar a ser vista como ser humano.

A condição humana da nossa existência não nos distingue em género, economia ou política. Somos seres humanos nascidos em substância equitativa, todavia, deixamos que nós mesmos, em humanidade, impuséssemos limites às liberdades das condições humanas de seres iguais a nós, nascidos em igual substância. Não nos cabe a nós julgarmos o outro ou impormo-nos a este, porque, em substância somos todos humanamente iguais, criados com falhas e defeitos tão nossos como daqueles com quem partilhamos cada promessa de manhã futura.

Nota: O título desta crónica é uma referência a um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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