Crónica

NA AMÉRICA LATINA #6

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Da janela, um deserto de dunas amarelas gigantes. Da janela, cumes de montanhas numa cordilheira infinita. Da janela, escarpas que o mar desgastava vários metros abaixo. Estava na pan-americana. Estava há 20 horas na pan-americana e sentia-o como um minuto, de tal maneira a estrada era fascinante, acompanhando as curvas da montanha como se dela fizesse parte, confundindo-se com a paisagem como se também ela fosse parte da Natureza. Dentro da camioneta, não houve um segundo sem um filme dobrado que soava de fundo muito alto. O repertório foi desde Arnold Schwarzenegger ao Toy Story, ou desde A Vida de Pi a filmes sobre adolescentes americanos. Penso que nunca vi tantos pequenos pedaços de filmes. Porque, da janela, pequenos povos em que se vendia peixe frito apareciam com as suas casas de um andar e a propaganda política muito colorida desenhada nas montanhas. Da janela, plantações verdes de bananeiras de folhas gigantes. Da janela, a pan-americana.

Chegada a Lima, o primeiro passo foi trocar o dinheiro que tinha. Fiquei com 13 soles no total. Táxi para chegar ao hotel onde estavam os meus pais: 20 soles. Abri as mãos onde estavam as moedas que tinha acabado de receber: “Mas eu só tenho treze!”. “Fulano, levas esta rapariga por treze soles?”, (faço o meu sorriso mais encantador; fulano suspira) “Venha daí.”

Ao chegar ao hotel, tinha à minha espera muitos beijos, abraços e amêndoas de Páscoa. Soube bem matar saudades e receber carinho.

Lima é uma cidade enorme. Basta dizer que tem 11 milhões de habitantes quando todo o imenso Peru tem 16. Apesar de ser enorme, o centro histórico ocupa pouco mais do que a Plaza de las Armas, uma praça muito ampla, com o Palácio do Governo e a Catedral, majestosa como sabem ser as catedrais da época colonial, e algumas ruas que dela saem. Estas, estão cheias de pequenos restaurantes que vendem os baratos e enormes almuerzos, que incluem sopa, bebida e a chicha morada, uma bebida cor-de-vinho muito doce, feita de milho também ele cor-de-vinho. Foi aqui que provei o prato mais famoso do Perú e, arrisco-me a dizer, o meu prato preferido desde que cheguei à América do Sul: o ceviche. Peixe cru com muito limão e picante: delicioso.

Na movimentada Lima, só ficámos um dia. No dia seguinte partimos para Puerto Maldonado, uma cidade na selva Amazónica. Mal chegámos à cidade, entrámos num barco que navegou uma hora ao longo do largo Rio Madre de Diós, um dos afluentes do Amazonas, até ao sítio onde íamos dormir. Dos dois lados do rio, só se viam árvores e árvores, de um verde quase florescente de clorofila e oxigénio. Estávamos na selva. O silêncio só era interrompido pelos pássaros de todas as espécies, desde os abutres aos papagaios. Nos dias em que lá passámos fizemos vários passeios no meio da selva: vimos macacos, caimões, tarântulas, tartarugas. “Atenção, se um macaco saltar para cima de vocês, o melhor a fazer é não reagir! Se começarem a fugir ele pode magoar-vos sem querer!”. Ouvi o aviso do guia com pouca atenção: qual seria a probabilidade de ter um macaco em cima de mim?

A certa altura, começámos a ver vários macacos que se balouçavam nas árvores, atirando-se sem pensar duas vezes de um tronco para o outro, baloiçando-se nas lianas. Tínhamos bananas preparadas para que viessem comer perto de nós. Estendi o braço com a banana na ponta e um deles (depois vim a saber que era uma ela), veio buscá-la. Pegou na banana… E, de repente, trepou pelo meu braço e subiu à minha cabeça. Com os pés nos meus ombros, as suas mãos (surpreendentemente macias) apalpavam os meus olhos, o meu nariz, os meus cabelos. Eu fazia o possível para seguir o conselho do guia, “não te mexas Francisca, não te mexas.” Ao fim de alguns segundos, que não foram poucos, lá acabou por ir embora. Eu estava em plena taquicardia.

Entretanto, continuando o passeio pela selva, o sol começava a pôr-se e ficava aquela luz perfeita para as fotografias. Passeávamos na praia de rio. Estava um calor muito húmido e eu já tinha sido devorada pelos mosquitos. O silêncio húmido que nos pousa sobre os ombros enquanto o sol nos bate na cara é indescritível. Silêncio este que nos acompanhou também à noite, quando, sob uma lua enorme e muito cheia que iluminava todas as árvores, saímos para um passeio de barco a ver os caimões.

Quando saíamos de Puerto Maldonado, tivemos o primeiro precalço na nossa viagem: a cidade e a região estavam em greve há 22 dias. Tudo estava fechado e as camionetas não estavam a partir. O problema é que devíamos precisamente apanhar uma camioneta até Cuzco. Passámos os dias na selva sem saber como resolver este problema. Chegando à cidade, de manhã, uma boa notícia: uma camioneta sairia às 13h. Fomos almoçar, pensando ter resolvido o problema, até que, quando lá chegámos, a camioneta estava avariada e só sairia às 20h. Acabámos por apanhar um taxi. Problema resolvido? Ainda não. A meio do caminho o taxista apercebeu-se de que todas as estações de serviço estavam fechadas por causa da greve e que não teria gasolina para completar o trajecto. Acabámos por mudar de taxi numa cidade a meio do caminho. Finalmente chegámos a Cuzco, depois de 8h de uma estrada que subiu 3400 metros sem 100 metros seguidos sem curvas e contracurvas. Quando finalmente chegámos já era noite, e estávamos os três extremamente mal-dispostos e cansados. Agora em Cuzco, temos alguns dias para conhecer a cidade, o vale sagrado e o célebre Machu Picchu. Até à próxima!

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