Crónica
O SEGUNDO SEXO II
Há um elefante na sala e embora o apreenda com os sentidos, vou nesta crónica optar por olhar para a janela, encarar o horizonte e vislumbrar outro tema. Faleceu Mário Soares, célebre símbolo da democracia portuguesa. É triste facto. A política e o povo português ficam mais pobres e chora-se um nome que nos será todavia tão querido mesmo já desaparecido.
Poderia dedicar estas palavras à luta que Mário Soares enfrentou pela liberdade, contudo penso que as suas ações falam e falarão por si, em gerações futuras quando se falar de bravos homens numa ditadura portuguesa em busca da liberdade do povo. Dedico-me então a outros afins, mais concretamente à falta de pertinência da mulher e da voz da mesma em matérias da sociedade. Foram duas as manchetes que saíram para as bancas, antevendo 2017 com opiniões apenas de homens.
O tema é aqui explorado em homenagem a Simone de Beauvoir, ídolo pessoal, que celebraria 109, no passado dia 9 de Janeiro, sendo ela símbolo lendário da luta pela voz feminina em matérias dominadas por homens numa época em que a desvalorização do pensamento da mulher era imensa. Mais de meio século volvido desde a publicação, no ano de 1949, de «O Segundo Sexo» – obra literária onde Beauvoir faria uma profunda análise sobre o papel da Mulher na Sociedade – e a sua abordagem continua atual. Parece que a Mulher continua a ser considerada a versão inferior do Homem, relegada para um plano de menor importância em relação ao sexo oposto. Simone de Beauvoir defendia uma posição existencialista, isto é, somos seres em existência à nascença, mas apenas com o empirismo nos tornamos seres em essência, daí a sua célebre frase «não se nasce Mulher, torna-se Mulher». Nesse sentido, as nossas vivências e experiências criarão a nossa essência, assim como criam a essência do Homem, uma vez que à nascença somos apenas existência e, por isso, iguais em substância. Ora, se assim o somos, porquê considerar válido o pensamento do sexo masculino e desvalorizar a voz feminina se afinal todos procuramos a nossa própria essência no empirismo da nossa criação?