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Crónica

OS NERVOS DOS NOSSOS DIAS

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Raro é aquele que nunca atravessou uma crise de stress. Não há nirvanas nem meios nirvanas que resistam a tanta carga de trabalhos. A verdade é que somos moldados por aquilo que é a nossa realidade. Com tanta movimentação, e com a maioria sem passar pelos nossos sentidos, será que escolhemos aquilo que, de facto, queremos sentir?

A sociedade mudou. Tornou-se muito mais ágil. Veloz, rápida. Uma azáfama circunstancial que tomou num golpe voraz tudo aquilo que é o quotidiano. Muita tarefa, muita descoberta associada a uma vida que quase nem dá para ser usufruída. Subsiste-se, sobrevive-se num mar de tanto(s) trabalho(s). Há quem tenha prazer naquilo que faça e isso é fulcral e de se louvar. No entanto, não há quem resista a tanto prazo e a um calendário tão repleto.

Quem se lixa é o mexilhão. Com esta, todos nós nos sentimos um bocadinho mais marítimos. Conhecemos bem os mares onde nos entregamos. Porém, é com uma convicção daquelas que nos agarramos aos rochedos. É a mesma mentalidade com a qual nos agarramos aos lençóis quando chega a segunda-feira de manhã. Chega o fim da semana e, exauridos pelo bater das ondas, estamos arrasados para usufruir das potencialidades de uns dias de descanso. São estas rotinas que dominaram muitos de nós durante décadas. Assustador, certo?

Será que as crises de ansiedade serão assim tão moralmente reprováveis? Numa sociedade tão exigente, a tal que exige o que se tem e o que não se tem, vivemos sempre na expectativa. Podemos ter ou não ter, podemos bem-suceder ou mal-suceder, podemos acertar ou falhar. A possibilidade daquilo que nos é oposto acontecer assusta. A possibilidade de falharmos perante os nossos compromissos assusta. A possibilidade de comprometermos perante as nossas responsabilidades sociais e laborais assusta. Andamos assustados, ansiosos, stressados para combater estas intermitências em pleno alto mar.

Somos talhados para estas pescas? Não nos faltará um pouco de lazer? Oportunidades para nos explorarmos durante aquele período em que estamos prontos para essa descoberta total? Poucos sabem porque são de tal forma tantos aqueles que se entregaram de corpo e alma à sustentabilidade que nem sabem o que é arriscar. Somos engolidos pela ansiedade de trabalhar e de ganhar a vida para garantirmos que as nossas dívidas mínimas são pagas e as condições de igual escala são reunidas. De quando em quando, lá salta uma oportunidade para se usufruir. Contudo, isto é tudo menos normal, natural. É contranatura, contra a natureza daquilo que é a nossa sociedade atual.

Com isto, quis problematizar e perceber o porquê de tanta gente ansiada e enervada com as suas vidas. Quase a totalidade da humanidade não está satisfeita com aquilo que a sociedade lhes obrigou a ser. Não é fácil trabalhar oito horas por dia, quarenta por semana e ter somente umas vinte úteis de usufruto (isto quando as há). Digo e repito: até as paixões no trabalho acabam por ser sugadas perante a anarquia do tempo e do espaço. Um compromisso implica aquilo que a gente tem e não tem.

Será que há tempo para contemplar o Sol a partir do conforto da areia? Será que existe a oportunidade de se sonhar e de se alcançar o outro extremo do horizonte enquanto a onda nos leva? Será que? Um será que, ao mesmo tempo que traz latente a esperança, lança o debate para aqueles que queiram participar. A calma está mesmo quando tudo começa e tudo acaba. A tal calma que tudo pode decidir e tudo mudar. Antes de entrar, há que pensar o que queremos disto que é a vida. Que se pense antes de se ousar mergulhar nas águas que nos podem engolir até só podermos da alma e não podermos do resto.