Crónica

NA AMÉRICA LATINA #7

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Declaro-me apaixonada pelos Andes. Perdidamente. Ao fim de três meses, grande parte passados nesta cordilheira, a uma média de 3000 metros de altitude, já vi de tudo. Desde lagoas magníficas a vales de suster a respiração, vulcões em actividade, desertos, ruínas incas, pequenos povos de casas de adobe, pastores com as suas ovelhas, alpacas e lamas, grandes cidades coloniais, colinas verdes e florestas que não acabam.

Na última crónica fiquei em Cuzco, a antiga capital dos incas. Esta é uma daquelas cidades em que sabe bem passear, virar ao acaso nas ruas e andar todo o dia. As ruas estreitas de casas caiadas de branco que levam a praças com jardins, a Plaza de las Armas, com a monumental catedral cor de bronze, as varandas azúis como o céu limpo, onde nos podemos sentar a tomar chá de coca ou cerveja cuzqueña… Mascar folhas de coca ou beber o seu chá é o que mais tenho feito aqui e o que oferecem em todo o lado: supostamente ajudam com as dores de cabeça da altitude.

Depois de Cuzco, passámos alguns dias nas redondezas a ver as ruínas incas do Vale Sagrado. Pisac, Moray, Ollantaytambo, todos mostravam à sua maneira os vestígios incas que já pareciam parte da natureza, no meio das montanhas verdes. Grandes anfiteatros redondos, socalcos com muros de pedra e erva muito verde, que transformam a inclinação da montanha em escadas para gigantes, muralhas em ziguezague de pedras de várias toneladas, casas das quais só restam as paredes com as pedras encaixadas como legos. Sobretudo, aquilo que me faz gostar tanto dos Andes: o silêncio da montanha, a capacidade de respirar fundo, olhar em volta e ficar maravilhada, vendo as colinas e colinas sem ninguém por perto e sentir-me tão, mas tão pequenina. Ollantaytambo, para além das ruínas, tem o seu povo encantador, de uma magia que eu não consigo bem descrever, mas que sabe muito bem. É silenciosa, mas ouve-se a água a correr dos riachos abertos em todas as ruas. Essas, de pedra irregular cinzenta, são tão estreitas que só deixam passar triciclos de carga. Sabe bem estar em Ollantaytambo. Há um flautista na esquina, corre um vento frio bom e as pessoas parece que murmuram. Finalmente encontro um lugar no Perú afastado de toda a azáfama turística que trouxe a semana santa.

Ainda no vale sagrado, fomos visitar Salineras: num vale entre montanhas inclinadíssimas, vemos poços de sal brancos como neve, contruídos em socalcos quadrados de barro. Ouve-se a água salgada a correr nestes degraus gigantes.

Vir ao Perú e não ir ao Machu Picchu é raro. Nós não escapámos também. E valeu a pena, pois claro. A vila que está construída à sua volta, Águas Calientes, é feia e só serve de ponto de partida para os viajantes dormirem e acordarem cedo no dia seguinte para ir ao Machu Picchu. Há um restaurante igual ao anterior a cada dois metros, sempre com menus em inglês, e até em chinês, onde somos bombardeados com a sua propaganda: “Restaurante? Menu? Comida típica?” As casas não estão pintadas, e a maioria nem acabadas, e é raro o peruano que encontramos que não vive lá para fazer comércio com os turistas. Mas, enfim, é uma vila só para passar a noite.

No dia seguinte, levantámo-nos muito cedo para subir então a uma das maravilhas do mundo. Apanhámos um autocarro na vila que nos deixou à porta. Entrámos e… é difícil descrever a sua grandiosidade. Desde o topo, vê-se o complexo de pedra gigantesco. Pequenas casas quadradas de pedra sem tecto sucedem-se, em socalcos sobre um chão muito verde. Não há outra cor que não o cinzento e o verde. Em volta, as nuvens deixam ver as montanhas inclinadíssimas e em baixo esboça-se um rio. Entre as casas quadradas, ergue-se um forte redondo com duas janelas: uma em que bate o sol no solstício de Inverno e outra em que o Sol bate no solstício de Verão. Algumas das casas mantêm o telhado triangular inclinado e algumas foram reconstruídas com o telhado original de palha. O tempo de percurso por todo o complexo está estimado em duas horas. Mas é impossível não parar constantemente para fotografar, observar, respirar. Os altos picos, que, para os Incas, falavam com as divindades, acentuam a mística do lugar. As pedras são impressionantemente perfeitas para uma época em que os utensílios mais duros eram de cobre. O Machu Picchu já é da montanha, já é da Natureza. Foi posto aqui por mãos divinas e não, nunca ninguém viveu aqui. Ou, pelo menos é o que parece agora.

Do Vale Sagrado partimos num autocarro nocturno que nos deixou ás 5h em Puno. A cidade em si, não tem muito que se lhe diga. Como todas as cidades peruanas que vi até agora, tem, no centro, a Plaza de las Armas e a catedral. É cinzenta e poluída, e são raras as casas pintadas e que não mostram os tijolos com que foram construídas. Vale a pena ir a Puno, para ver o lago Titicaca, o maior lago da América do Sul e a fronteira natural do Perú com a Bolívia.

É possível apanhar um barco no lago e ir visitar as suas ilhas artificiais. Mal se entra no barco, começa-se a ver muitas plantas pontiagudas que formam manchas verdes no azul do lago. Ao começar a ver a ilha, Uros, percebo que toda esta ilha é feita com estas plantas (que agora estão amarelas e secas): as casas, os barcos de pontas pontiagudas como os sapatos do Ali Babá, e até o chão. Este, é mole e húmido, e os pés enterram-se ao andar. Ainda não há eletricidade nem água na ilha e as crianças têm de ir todos os dias à escola de barco. A ilha de Uros é, no fundo, um complexo de várias pequenas ilhas, cada uma com, no máximo, três famílias. Vivem, sobretudo, do turismo e das trocas que fazem de peixe no mercado. Embora lindíssimas, choca um pouco ver pessoas que vivem excluídas de toda a civilização, se estão a apenas uma hora da costa. Ainda em Puno, fomos à Península de Capachica, por uma estrada de duas horas de terra, buracos e pedregulhos. Vários povos de casas de pedra e grandes planícies verdes onde ovelhas e vacas pastam sempre com o seu pastor(a) a acompanhar. Estávamos em pleno Perú rural, muito silencioso, muito verde, pequenas aldeias de 20 habitantes. E a paisagem de fundo, como que por camadas: o azul do céu, o castanho das montanhas, o azul do lago e o amarelo da praia de lago.

Vamos agora para Arequipa, a segunda maior cidade do Perú, conhecida como a cidade branca. Até à próxima!

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