Crónica

FRISO

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O friso ou o frontão é aquilo que verdadeiramente se pode chamar um clássico. Perante a venerável ruína de um templo da remota antiguidade grega, só nos resta a contemplação do quase intemporal, de um verdadeiro arquétipo daquilo que os humanos souberam inventar para se certificarem que o seu tempo seria longo, talvez uma eternidade parecida com a dos deuses a quem esses templos eram dedicados.

Recorrentemente, essa intemporalidade reaparece aqui e ali como é da sua condição de infinitude; aflora como manifestação de qualquer coisa que jaz oculta e se torna presente por ecos quase inaudíveis ou claras citações.

A natureza doméstica não é insensível às criações dos seus mestres, tratadores e apreciadores das suas carnes coradas em travessas de ir ao forno e chanfanas ébrias de vinho, queijos, velos ou peles curtidas. Tantos milhares de anos de convivência por pastos e transumâncias, tantos assobios de pastor, ou pífaros, tantos ancestrais pastando nas ruínas da Acrópole, dos fóruns abandonados, coçando a neurose das carraças nas colunatas, nas arestas afiadas do mármore das estátuas derruídas, nas grinaldas das Cariátides…., tudo isso havia de ficar cravado na genética dos pequenos ruminantes. Ei-los então celebrando Fídias e os frisos do Parténon entretanto espalhados pelas boas casas dos rapinadores de tesouros dos outros, os que se auto-intitulam resgatadores das coisas preciosas caídas em mãos de povos degenerados, quem sabe, alheios aos fulgores do legado de outros tempos.

Salvé criaturas dóceis, animais do sacrifício, chibos do diabo.

Os humanos, como sempre, complicam, repetem, empilham referências de referências, de referências. Por empenas, remates, telhados aos bicos, frisos e decorações, encaixam frontões e triângulos alinhados e simétricos. Repetem nas suas casas abastadas as memórias desfocadas dos templos, tinta plástica em vez dos mármores polidos; geometrias em falsete pequenas e grandes para ver ao longe.

E assim se iludem a eles próprios com estas seduções; mutuamente se medem por tamanhos, cores e feitios; se distinguem pela multiplicação dos espaços, das chaminés, dos alpendres. Pintam os muros e as paredes de branco apenas para realçar o ocre das tintas, o vermelho dos telhados contra o azul desbotado do céu.

Vingam-se as ovelhas destas basófias e vaidades. Alinham-se em friso vivo, imóveis como soldados na parada. Esperam a foto; observam o deambular dos humanos, das suas curiosidades. Alheiam-se das ervas secas, do pasto imprestável, da desidratada indiferença do pastor que abalou, que se esqueceu de lhes guiar um caminho para melhor ruminação.

Feita a coreografia como quem quer dizer que bonito que ficava aqui um friso, disparam os pequenos quadrúpedes aos pinotes, desfazendo a fila antes que alguém olhe novamente, breve aparição que perturbou por instantes a tinta branca do muro, o limite que as separa da relva regada de um jardim que rapidamente mastigariam até só restarem torniquetes, mangueiras e outro material sintético. De ervas vos mantendes / que trás o verão, etc., diria o poeta.

 

Fotografia de Inês Moreira

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