Crónica
O VOTO QUE NÃO CAI NAS URNAS
Um voto de confiança dado pelos grandes holofotes do mundo. As notícias circulam, a informação passa e perpassa, divulgando-se e comunicando-se por todos os cantos dos hemisférios. No entanto, o voto não é só aquele que se cinge à confiança. O voto é, em especial, o instrumento de deliberação e de consideração, de escolhas seguras e sustentadas. No espelho consumado de um pensamento consolidado e linear, chega o voto às urnas.
No entanto, o grande dilema é quanto àquele que não chega a cair. A representatividade não se efetiva. Nem sempre é por falta de meios e de recursos para se fazer chegar ao local onde as decisões se definem. Simplesmente, o desinteresse é gritante, despojando qualquer laivo de opinião e de espírito crítico em relação à situação debatida, situação essa que implica todos os envolvidos e afetados. O cenário permanece e prevalece perante as maiores conjeturas, especulações e utopias. Não há espírito revolucionário que fique calado e silencioso, para aqueles que pulsam com o fervor da vibração de mudança em rompante.
A democracia é a plataforma onde todo o debate, toda a discussão, toda a potencial deliberação se dá. Não é exequível considerar outra, afugentando as sombras discricionárias e preconceituosas. Levantando-se auras supremacistas, o processo democrático visualiza a sua importância cada vez mais reforçada. Toda a espiral que a sociedade da informação e da sua comunicação promoveu e criou não se pode ver desguarnecida de olhares racionais, mas consternados o suficiente para se verem mexidos com as eventuais iniquidades existentes. Porque a opinião de uns não conta mais do que a opinião de outros tantos. Por mais que queiram pintar de outra forma, a obra permanece realista, e não tanto elitista. O voto é equilibrado, justo e representativo. Nem mais, nem menos.
Votar é determinante. Não pode ser esquecido de todos, e deve ser incentivado nos tantos que não colocam os seus boletins nas urnas. Muitos são aqueles que, nos antípodas da gratuitidade da participação social e política, suplicam para que haja uma janela que permita que essa envolvência e sucessiva intervenção existam. Para trás, fica um processo de luta, de confronto, de choque perante as instâncias opressivas e repressivas de qualquer tipo de liberdade de pensamento, de expressão e de idealização. Pensar e sonhar foram, noutros tempos, proibidos. Vale de pouco ser-se anarquista no caos de uma realidade que, por mais desordenada que seja, já viu na ordem o roteiro pecaminoso da silenciada condição.
O voto não caiu nas urnas. Ficou por se definir, ficou por se formar e se atribuir. Decidir o rumo daquilo que é a vida de cada um integra votar. Como seres sociais, por mais que a negação e a vontade de se evadir do mundo burocrático e estruturado se emancipe, não há volta a dar. Para que haja mudança, é necessário que a efetividade, em respeito pela liberdade do próximo, possa acontecer e ser verificada. Não ficar nos radicalismos, extremismos e condicionalismos que um ponto de vista possa ter sobre outros tantos. Tudo isso é esquecer o debate em combate em favor da liberdade. Não votar é prescindir de um caminho de sentido e sentimento perante a realidade em que se vive. A abstenção preocupa, especialmente onde tanto se lutou para que as gerações seguintes pudessem ter voz ativa e proativa.
Podemos pensar e repensar a democracia, é certo. No tanto que se clama por esta, nos países menos assoberbados do planeta; e no tanto que se fez necessitar desta, em tempos remotos, nos civilizados países de hoje, o sistema democrático nunca deixou de ser o caminho certo, aberto e adequado para que a realidade se ajustasse às pessoas. Os governos são feitos por pessoas, para as pessoas, as administrações, tanto públicas como privadas, são feitas por pessoas, para as pessoas. Pelo menos, devia de ser. Para que isto se torne numa realidade concreta, não mais questionada nos deveres de ser, a democracia não deve cair num espartilho de contração, onde o estrangulamento do silêncio fraudulento é quem mais ordena.
Em caso de se colocar a questão a intenção de se ir votar, como seres, por natureza, inconformados com o ser e o estar das coisas, as dúvidas dissipam-se. O voto é o primeiro passo para a mudança desejada, seja ela onde for, partindo de um caudal de ideias e de opiniões para uma decisão prática, capaz de alterar o rumo sistémico de todas as forças envolventes neste quadro geopolítico. Que fique o registo, não só para o pequeno município, mas para todo o mundo. De fio a pavio, a democracia é infatigavelmente necessária. Por mais que seja testada, e por mais que as forças integrantes do sistema sejam controversas, eis o arranque da decisiva passada democrática.