Crónica
O QUE É, AFINAL, VIVER?
Viver é mais dificilmente fácil do que o previsto. Para muitos, viver resume-se ao lucro material e imaterial proveniente do trabalho, e consolida-se num património consolidado. Para outros tantos, trata-se de levar os sentidos à última, conquistando, despreocupadamente, o máximo de experiências à disposição.
Mas o que é, afinal, viver, de forma consentida e unânime? É dar uso ao corpo e transplantar a sua utilidade para a alma? Ou então alimentar a alma de tal forma que o corpo se vê a viver, por mais que esteja inamovível? A conceção de viver varia de perspetiva em perspetiva, de valor em valor, de cultura em cultura. A mera estima daquilo que é o mundo assinala-se como o voto de consagração de uma vida potenciada, exponenciada. Para outros, as crenças passam à ação ativa, deixando a passividade da celebração, e assumem-se como alicerces nos quais se sustentam os desafios chegados e vindouros.
Isto de viver passa por muito, nomeadamente por mudanças de atitude e de postura perante o chegado e o adquirido. A volumetria do experienciado vai-se projetando para fora dos pulmões, que bradem pela concretização do sonho. Alcança-se uma miragem desenhada à distância dos horizontes destemidos, repletos e possuídos pelos temas e poemas da algazarra descrita. Porque viver é, necessariamente, turbulência, intermitência. Vai subir e descer, à boa escala de uma montanha siberiana, por onde o comboio se deixa consumir e apoderar pelo frio que faz e subjaz à tensão de viver.
Estar vivo e viver podem ser separados em perceção, porque a sobrevivência nem sempre é viver. O figurativo do discurso e da visualização do mundo transmite um elã grande, fortalecido e nutrido. É aqui que mora a relatividade do sentido subjetivo de cada um, num jogo de vidas perante o cenário final. Por muito nebuloso que este seja, e por inquestionável que seja durante décadas a fio, chega um tremor que desperta para que há algo mais do que permanecer sentado ou deitado, à deriva de um caminho plenamente definido e discernido.
Não se questionam sentidos, por mais normal que seja o inquérito sobre tão fulcral problemática. Afinal, o que é que andamos para aqui a fazer? São perguntas que recorrem à ajuda de uma posição existencialista, que muitos chegaram a levar ao extremo dos ensaios filosóficos e das tragédias literárias. Os eixos não se cruzam, porque as coordenadas foram inexcedíveis na atmosfera clara e desembaraçada do clima. Por mais nuvens que existissem, a clareza de se querer experienciar não cessou, e permaneceu latente, à espera da janela de oportunidade de se ver erguida, completa, intransponível no sonho que a preparou para a tal vida. As dúvidas só se colocam em paragem, enquanto os outros voam e o braço permanece esticado, na esperança de uma boleia que sintonize intenções, devoções, ambições.
O cenário de morte mexe com aqueles que verificam que pouco se leva deste mundo para lá das memórias armazenadas nos outros, e dos registos que perduram até à eternidade. O desejo de perpetuar o legado presencial de alguém procura a sofreguidão material, disposta a uma herança que se cifra nas amplas unidades de valor tangível. A honra, porém, designa-se nos valores, nas aptidões, nas concessões encimadas na magia de se estimar o património de princípios e de inspirações. Nas experiências vividas, na coragem, na ousadia, na fieldade, na fraternidade, no espírito. Tudo isto ultrapassa o quantificável, e é o que de mais identitário segue para aqueles que recordam, com saudade, a esperança eterna de uma vida para todo o sempre.
Viver é, afinal, e sem respostas redutoras, Udar uso ao que temos. À alma, à mente, ao corpo, ao coração, ao que sabemos, ao que aprendemos, ao que crescemos a ser e a sentir, ao que procuramos perceber e constituir. Cada um, à sua imagem, no que melhor entende ser e no que melhor acha que é, assume-se como ser que vive, que experiencia, que vivencia, fundindo as ontologias de vida e de experiência. Para lá de, somente, estar, viver e ser, o estático do humano acelera na discrepância dos sonhos e dos rumos a serem empreendidos, por aí além, até aos céus, sem nunca os procurar, decerto, como destino permanente. Porque a luz, por mais que se emita de cima para baixo, é desejada como a sentinela de um barco que se vai descobrindo, de ilha em ilha, de oceano em oceano, na formação do legado da humanidade.