Crónica
Que Xou da Xuxa é Esse?
A família da minha mãe sempre foi muito católica. A minha vó era interveniente de Maria. Foi ministra da eucaristia. A minha mãe é da época do início da fundação do Shalom, em Fortaleza. E eu, eu fui batizado. Fiz comunhão. Crismei-me. Tudo o que era de grupo de igreja, eu ia. Eu vivia na igreja, porque era a única coisa que eu via e eu achava aquilo maravilhoso.
Mas se tinha uma coisa que eu amava, além de todas essas outras coisas da igreja, era assistir ao Xou da Xuxa. Era demais. Depois foi que vim descobrir com o tempo…
Desde criança eu era muito, mas muito fã da Xuxa. Eu era o tipo de criança que parava na frente da televisão e ficava a ver a Xuxa sem piscar. Era como uma droga. As pessoas da rua lá de casa chamavam-me de Xuxa, porque eu era muito alucinado por ela. Às vezes, eu fico a pensar, tentando lembrar da minha infância e algumas fotografias vem à minha mente.
O formato da televisão da época da minha vó, por exemplo. É uma coisa que eu nunca esqueço. Era aquela televisão grande de madeira. Gente, a televisão parecia um painel de controle com muitos botões. E aquele espelho grosso acoplado na madeira retangular? Era a caixa de luz colorida que falava. Como pesavam as televisões de antigamente.
Talvez a suas transmissões fossem carregadas demais. Mas naquele mundo de cores, tudo era muito inocente para mim. E talvez eu fosse.
Que Xou da Xuxa é Esse?
Era um programa infantil de auditório todo ambientalizado em analogia a algum universo paralelo divertido. Parecia um sonho, sei lá, um parque de diversões, sabe. Um planeta onde só tinham crianças, criaturas mágicas e brinquedos. Muitos brinquedos. A Xuxa chegava em sua nave espacial reluzente, abrilhantada, colorida e imensa.
Meu sonho era viajar nessa nave. E quando ela chegava, era recepcionada por milhares de crianças. Pra mim, parecia um mundo só delas — Aaaah, todos aqueles figurinos… eram todos muito incríveis. Tudo na verdade era incrível no programa: as coreografias, as músicas, as brincadeiras… Era cada brincadeira, viu. Tinha umas crianças que ligavam e participavam. E, tipo, aqui em casa tinha telefone. E meu sonho era participar pelo telefone. Mas nunca que me deixaram ligar.
Era tudo muito espontâneo no programa. Na verdade, hoje fico pensando comigo: aquele programa era pensado tanto para as crianças, como para os adultos. Tinha muita coisa subentendida, sabe. Mas bem pudera, a televisão estava se popularizando, era o entretenimento da massa, eles tinham que fazer alguma coisa que servisse tanto pra criança, como para o adulto que “pastorava” a criança. Eu penso assim.
Xuxa: A Minha Primeira Drag Queen Preferida
A Xuxa era uma espécie de drag queen sexy e rainha dos baixinhos, com todos aqueles paetês, brilhos acetinados, maquiagens e cabelos diferentes… Era muita cor. Talvez tenha um pouco dela em mim hoje. Talvez eu seja um adulto viado semeado e regado pela Xuxa dos anos 80. Talvez… e isso foi incrível.
Aain, e quando começava She-Ra. Ela era uma das personagens mais emblemáticas da programação infantil da TV dos anos 1980, querida. She-Ra era uma heroína babadeira de vinte anos, tinha uma cintura fina, feições de supermodelo, meu amor, e usava uma roupa com decote generoso e uma saia curtíssima. E eu a amava. Adorava aquele cabelo louro. Que daí já me lembro da própria Xuxa e das suas Paquitas.
Todas maravilhosas. Aqueles chapéus franjados, looks vermelhos com botas pretas. Todas aquelas coisas de meninas. Chorei horrores quando elas se despediam. Assim, porque saíam as velhas, vinte e poucos anos, e entravam umas novas de doze, treze anos… Menina, era um verdadeiro reality show a escolha dessas gatas, viu. Era muito divertido assistir ao Xou da Xuxa.
Teve uma vez que eu peguei uns isopores que estavam junto com umas caixas lá de algum eletrodoméstico comprado. Eu peguei cola, uns papeis… Lembro de ter aperreado vovó por umas penas amarelas. Eu estava determinado: eu ia criar o meu próprio microfone da Xuxa.
Meu Microfone da Xuxa
Passei o dia todo construindo o meu microfone. E eu, na minha mente de criança, queria que ficasse igual. Mas ele tinha muito detalhe: ele era meio que uma pirâmide esticada, retangular, branco, com um rostinho quadrado e dois pompons feitos de penas amarelas. Era um palhacinho. E eu queria um igual. E ele ficou lindo. Isso eu tinha seis ou sete anos.
Nessa época eu já brincava de fazer o Xou da Xuxa lá na sala de casa. E eu queria um microfone para o show. Eu era uma criança muito Xuxa.
O meu disco favorito era o Xou da Xuxa 4. A capa dele é a Xuxa maravilhosa numa piscina. Ele foi lançado em 11 de julho de 1989. Esse LP foi o quarto disco da coleção Xou da Xuxa, que ao total são sete. E, assim, eu ouvia todo o dia. Ela já começava com a minha música preferida:
Todo mundo tá feliz? Tá feliz!
Todo mundo quer dançar?
Quer dançar!
Todo mundo pede bis
Todo mundo pede bis
Quando para de tocar
Mais um! Mais um!
Eu ficava louca em casa. Tocava todos os dias nas alturas. Mas daí, um belo dia, esse disco simplesmente sumiu. Desapareceu. Um dia eu voltei da escola e fui procurar ele na estante e ele não estava mais lá. Desespero. Eu fui à casa de todos os meus vizinhos, de porta em porta, chorando, perguntando se alguém tinha visto o meu disco. Mas nada. Ele tinha realmente sumido.
Um tempo depois foi que descobri que o meu pai pegou o disco escondido, quebrou e depois jogou ele fora. Segundo ele, o disco “tocava demais lá em casa”.
Texto da autoria de Ícaro Machado, originalmente publicada no livro de Crônicas Criança Viada (2021)