Crónica

OS FILHOS QUE EU NUNCA TEREI

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Tiago Vaz

Já não se fazem bebés como antigamente. E não me refiro qualitativamente. Quantitativamente. Não fazemos bebés. Preferimos automóveis. São mais silenciosos (especialmente os novos) e só se ligam quando se quer. Uma escolha melhor, portanto.

Escrevo este pensamento baseado em dois artigos, um dos quais saiu esta semana no Notícias ao Minuto e o outro há cerca de dois meses no Público. Ora, o artigo mais recente dá conta de um relatório sobre os índices de fecundidade europeia, sendo que o Português é o mais baixo (1.28 face aos ideais 2.1). O artigo mais antigo revela que, de Janeiro a Agosto deste ano, Portugal foi o país da União Europeia onde a venda de automóveis mais cresceu.

Tão inevitável quanto o progresso humano e a nossa preferência geral pela tecnologia, decidimos que os bebés são uma moda ultrapassada. Não têm lugar no século XXI. Daí que já não se produzem. A cegonha provavelmente morreu de velhice, a igreja já começa a tolerar o uso do preservativo e a indústria automóvel quer é vender (e contra isso, nada).

Comparativamente, até prefiro o meu carro (e, por alguma razão aparentemente ilógica, eu adoro bebés). A verdade é que os bebés são irritantes, choram por tudo e por nada, são totalmente dependentes e não usam o Facebook (as contas criadas pelos pais não contam). Não levam ninguém a lado nenhum (pelo contrário têm de ser carregados para todo o lado), não percebem nada de música e não protegem do frio ou da chuva. Já o carro não é irritante (só quando avaria), nós é que somos dependentes dele, protege-nos do frio e da chuva, leva-nos para todo o lado e ainda nos dá música no processo. Também não usa o Facebook, mas como se trata de um carro ninguém repara.

O Notícias ao Minuto indica ainda que os europeus gostariam de ter, em média, 2.3 filhos por pessoa e apontam os horários de trabalho pouco flexíveis como a razão principal para não os terem. Realmente, estranho é quem ainda prefira ter bebés (tenha ou não carros). Ou são pessoas que não fazem nada da vida ou então os seus dias têm 48 horas. Os meus não, só têm 24 e eu só consigo esticá-las até certo ponto. Arranjo sempre tempo para pegar no carro e ir passear por aí. Para ir a um cinema, para tomar café com amigos. Arranjo tempo para tudo, mas duvido que algum dia tivesse tempo para um bebé, porque isso ocupa muito tempo. Tempo que eu já não tenho, porque o ocupei com outras coisas (mas isso nem vem à questão).

Já o carro só me faz ganhar tempo. Chego mais depressa a todo o lado. Posso fazer imensas atividades lá dentro. Daí que começo já a considerar os filhos que nunca irei ter. Aliás, proponho, desde já, que se comece a dizer “quero casar e ter 2 carros” em vez de “ter 2 filhos”. Casar também já não está na moda portanto, bem sintetizado, “quero ter 2 carros”.

Agora só nos falta mesmo arranjar um carro ou outro mecanismo qualquer que se reproduza inteiramente por nós. E podemos esquecer, de todo, a necessidade de ter bebés. Adeptos da tecnologia como somos, já não deverá faltar muito para chegarmos lá. Só agradeço não termos chegado lá na década de 90. Ou provavelmente eu não estaria aqui a divagar. Mas essa ideia pouco importa, não é…?

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