Crónica

TENHO EM MIM TODOS OS SÍTIOS DO MUNDO

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Joana Abreu

Viajar é a melhor coisa do mundo, e isso tem sido uma certeza para mim desde pequena. Lembro-me da primeira vez que fui para o Algarve com a minha família, durante duas semanas num verão quente, e que quando voltei sentia-me triste. Não sabia bem porquê, nem de onde aquela tristeza vinha ou quanto tempo ia durar, mas agora compreendo que era nada mais, nada menos, a nostalgia a bater-me à porta pela primeiríssima vez.

Esta sensação de saudade acompanhada por um desejo imenso de voltar atrás e viver tudo de novo já a senti muitas vezes. Quando me lembro da comida deliciosa da minha avó nos Natais que passámos juntas ou quando ouço a minha música preferida dos tempos de adolescente, que cantarolava vezes sem conta. No entanto, este feeling atinge-me especialmente quando viajo. E quem não o sente também? Não é por acaso que, de facto, viajar é a melhor prenda que podemos dar a nós mesmos. É a espera, contar os dias, as horas, os segundos. É pensar em ir e esquecer durante uma semana ou duas aquela coisa aborrecida e melancólica a que chamamos ‘rotina’. É partir à descoberta, uma ânsia de conhecer, de visitar, mas, sobretudo, é uma ânsia de viver. Um viver diferente de tudo aquilo que vivemos até à altura. No fundo, é a procura de algo que não sabemos bem o que é, mas que queremos encontrar. Quando estamos noutra cidade, noutro país, noutro continente, tudo é diferente, e o mundo torna-se novo aos nossos olhos.

Viajar é um conjunto de mil e uma coisas. São quartos de hotéis com um ar acolhedor, é a mesma roupa repetida numa série de dias seguidos. É uma conexão lenta à Internet que nos faz desesperar e, por fim, desistir, deixar para mais logo, porque há mais para fazer. É um misto de bombas de gasolina ou aeroportos com restaurantes luxuosos, repletos de comidas novas e típicas, ou cadeias de fast food que mais tarde ou mais cedo acabam, também elas, por se tornar num luxo. É percorrer ruas pela primeira vez e ficar seduzido pelas luzes que brilham à noite, pelas pessoas no café que, antes desconhecidas, se tornam as nossas melhores amigas e com as quais falamos num inglês básico, porque não precisa de ser muito elaborado devido à simplicidade das situações.

Viajar é o tempo a correr enquanto deixamos bocadinhos do nosso coração pelas ruas – pode ser que um dia, daí a muitos dias, voltemos e os procuremos como uma Blimunda em busca do seu eterno Sete-Sóis. Tal como ela, iremos encontrá-los no fim. Viajar é sentir o peito quente, sentir que somos mesmo cidadãos do mundo, do mundo que achamos nosso, sem medo de nada nem de ninguém. Por duas semanas, saboreamos a felicidade – também ela aprazível como a comida da nossa avó. Por duas semanas vivemos, vivemos com tudo o que temos e o que não temos, como se o amanhã não existisse. E regressamos a casa com um sonho: querer voltar e saborear mais um pedaço de toda aquela experiência.

De repente estamos ali, no café da esquina onde todos os dias compramos pão fresco pela manhã, mas, no entanto, as outras partes de nós estão espalhadas pelo mundo. Partes que incluem histórias, sítios, pessoas, almoços, jantares, noites de lua cheia, dias de céu azul, cigarros, candeeiros, sinais de trânsito, sorrisos, línguas desconhecidas, sapatos gastos. São partes que por aí ficaram, até que um dia as (re)visitemos. Temos saudades, recordamo-las de tempos em tempos, e, nostálgicos, sabemos que nunca as esqueceremos.

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