CRÓNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

Joana Amorim

Há pouco menos de um mês, o mundo deu as mãos por uma jovem norte-americana que escolheu o dia da sua morte. Brittany Maynard, de 29 anos, tinha cancro cerebral. A doença tinha-lhe sido diagnosticada em janeiro. Soube nessa altura que, devido ao estado avançado em que já se encontrava o seu cancro, não chegaria a completar nem mais um ano de existência. Brittany apercebeu-se de que a sua qualidade de vida, em breve, desapareceria. Chegou à dolorosa conclusão de que nenhum tratamento lhe salvaria a vida e que apenas serviriam para destruir o pouco tempo que ainda lhe restava. Agendou a data da sua morte: no dia 1 de novembro tomaria os comprimidos que a levariam para o outro mundo. No entanto, ainda antes de morrer, iniciou uma campanha pelo direito à eutanásia nos Estados Unidos, onde apenas cinco estados aprovaram as leis que permitem o suicídio assistido. Brittany mudou-se, então, para Oregon, onde “morreu com dignidade”, no dia que havia escolhido.

A palavra eutanásia tem origem no grego “eu” (bom) e “thanatos” (morte). Consiste no direito de colocar um ponto final à vida quando a pessoa em questão possui uma doença terminal, que lhe proporciona um sofrimento físico e psíquico intolerável.

Ninguém deseja a morte. Ninguém possui um desejo genuinamente suicida. No entanto, imagine-se numa realidade hipotética em que se encontra imóvel, numa cama de hospital. Avista a enfermeira que todos os dias o visita e que, como sempre, traz um tabuleiro a transbordar de medicamentos que não acalmam a sua dor. Uma dor intolerável cuja intensidade, em nenhum momento, abranda. E, como se o seu próprio sofrimento não fosse suficientemente insuportável, observa a dor nos olhos da sua família. Apercebe-se das lágrimas que verteram por si e que, em vão, tentaram ocultar. Para quê prolongar o sofrimento? Para quê fugir quando se encontra encarcerado num espaço, sem oxigénio, onde a única saída é através da porta da morte?

A liberdade é um direito que nasce e morre connosco. Nenhuma outra pessoa pode ordenar a nossa conservação num mundo que continuamente nos expulsa. Não podem forçar o batimento de um coração num corpo semi-morto de onde a alma já voou. Qual o porquê de viver à margem da vida? Conhecendo o final da história, qual o objetivo de permitir que a dor nos devore e absorva toda a vivacidade do nosso ser? Sabendo a identidade do nosso assassino, será assim tão errado matá-lo antes que ele nos mate a nós? O corpo é nosso, a dor é nossa, a vida é nossa. A opção da morte também não deveria ser?

Nota: o título da crónica faz referência ao título da obra de Gabriel García Márquez.