A MINHA VIDA É MAIS FODIDA DO QUE A TUA

Sara Monteiro

Se há espécie que está em expansão e merece ser estudada é a classe dos “coitadinhos”. O coitadinho é aquele ser sobre o qual pesam todos os problemas da sociedade, todas as dores mais profundas, todos os fardos do universo e ai de quem se oponha e contradiga a dimensão de tamanha tragédia.

Mas ser coitadinho tem ciência e há que seguir escrupulosamente os parâmetros da “coitadinhice” para não tirar a dignidade a tão difícil condição.

Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que os problemas do coitadinho são sempre mais importantes do que os problemas dos outros. Se alguém parte um dente, o coitadinho diz que nem dentes tem. Se alguém tem gripe, o coitadinho lembra com saudade uma pneumonia. Se alguém perde o emprego, o coitadinho chora por não trabalhar no que gosta.

Depois, se queremos entrar neste segmento, é importante sabermos que todo o tempo de antena deve ser ocupado por nós. O coitadinho tem a capacidade de dissertar durante horas sobre assuntos que só a ele interessam, mas incapaz de manter uma conversa sem interromper quem com ele tenta comunicar.

Quando acontece algo de bom a  um coitadinho é uma questão de mérito. Quando acontece aos outros é sorte. O coitadinho é obrigado a lutar. Os outros tropeçam alegremente no destino.

Por fim, o coitadinho nunca tem culpa de nada. Há sempre uma razão maior para o mal que lhe acontece. As pessoas não têm empatia com o coitadinho, não por ele ser arrogante, malcriado ou por ter uma personalidade pouco interessante, mas porque há uma conspiração contra ele, porque têm inveja de tão ilustre ser, porque, há quinhentos anos, uma borboleta bateu as asas na Indonésia e ditou tão sacrificado destino.

Conviver com um coitadinho pode não ser fácil, mas não vale a pena entrar em discussões. Até porque, por muito que tentes, a tua vida nunca vai ser tão fodida como a de um coitadinho.

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